
Material
da disciplina ‘Justiça racial e colonialismo’ (2019.1)
Ministrei,
no primeiro semestre de 2019, a disciplina ‘Seminários de pesquisa: Justiça
racial e colonialismo’, na Faculdade Nacional de Direito – UFRJ. O curso, que
contou com a presença de estudantes de Direito, de História, de Ciências
Sociais etc., tinha caráter exploratório: pretendia mapear a forma como a
relação entre Direito, racismo e colonialidade era enfrentada por diferentes
correntes teóricas, ao redor do globo. Autores europeus, norte-americanos,
latino-americanos, africanos e asiáticos foram debatidos, em encontros que
partiam de perguntas de cariz filosófico, como “Qual o impacto do racismo sobre
a formação da consciência do negro? E da consciência do branco?”.
As
duas primeiras aulas tiveram como objetivo delimitar os pressupostos epistemológicos
e metodológicos da matéria. Para tanto, nos valemos de um diálogo com as
autoras Patricia Hill Collins e Gayatri Spivak. Como ponto de partida,
refletimos sobre a questão: “Qual o seu lugar de fala?”. Os alunos foram
convidados a pensar sobre o modo como, na Modernidade, o paradigma europeu de
racionalidade acabou sendo imposto como “universal”, num esforço para
deslegitimar saberes produzidos por outros povos. Nesse sentido, uma crítica às
práticas racistas contemporâneas deve alicerçar-se na desconstrução do mito
segundo o qual a tecno-ciência moderna é “neutra” e “objetiva”, livre de
pressupostos ideológicos.
Em
sequência, discutimos o trabalho dos fundadores do racismo científico
contemporâneo, Gobineau, Chamberlain e Rosenberg. O intuito era evidenciar os
ecos do eugenismo do século XIX nas ciências do nosso tempo – e, em especial,
nas Ciências Jurídicas. Não haveria, na criminologia do século XXI (calcada em
uma política de encarceramento massivo de pretos e pobres) vestígios do
darwinismo social de outrora? Salientamos a relação entre Modernidade e
Colonialidade, capitalismo e racismo, e a forma como, em seu projeto de
expansão imperial e domínio político-econômico, o Ocidente transformou negros e
índios no “proletariado externo” do capital. A divisão do mundo em “raças”
(categoria biologicista, desconhecida na Antiguidade e no Medievo) serviu como
base para legitimar um empreendimento de escravização e conquista territorial.
Num
terceiro momento, tratamos da vida e da obra do filósofo e psiquiatra Frantz
Fanon, originário da Martinica. Figura capital na luta pela independência da
Argélia, Fanon desenvolveu seu pensamento a partir de uma apropriação crítica
de autores tão distintos quanto Georg W. F. Hegel, Alexandre Kojève, Aimé
Césaire, Sigmund Freud e Jean-Paul Sartre. Atentando para a insuficiência dos
conceitos desenvolvidos pela psicanálise freudiana para enfrentar transtornos
mentais identificados em (e produzidos por) um contexto de colonização, Fanon investiga
o impacto do racismo sobre a formação de nossa subjetividade. A partir de uma
releitura da Parábola do Senhor e do Escravo (passagem da Fenomenologia do Espírito de Hegel que inspirou toda a construção teórica
de Kojève), Fanon demonstrará como o desenvolvimento pleno da consciência de
si, em cada uma das culturas do planeta, pressupõe o reconhecimento de todas as
civilizações como livres e iguais.
Em
um quarto momento, falamos do sistema teórico proposto pelo filósofo camaronês
Achille Mbembe. Em diálogo com Césaire e Fanon (mas, também, com intelectuais “pós-modernos”
como Foucault), Mbembe elabora o conceito de “Necropolítica”, apropriado para
que pensemos, por exemplo, a política de genocídio da comunidade afro-brasileira
encampada pelo Estado nos tempos atuais. Para Mbembe, a distinção clássica
entre Estado de Direito e Estado de Exceção – consolidada por autores como Carl
Schmitt – não é capaz de explicar a dinâmica jurídico-política que se dá em
territórios de domínio (neo)colonial, nos quais a possibilidade de suspensão da
ordem constitucional mantém-se sempre presente. É o que permite que, sem
mandado de segurança, policiais invadam a residência de pessoas que vivem em
aglomerados urbanos, ou que se sintam legitimados para torturar e prender
arbitrariamente jovens negros. A “soberania” se apresenta, nesse contexto, em
sua expressão mais crua, como o direito do Estado de matar indiscriminadamente,
em nome da “segurança pública”.
Por
fim, fizemos breves apontamentos sobre a filosofia de Angela Davis, pensadora
marxista norte-americana que sofreu forte influência da Escola de Frankfurt
(tendo sido aluna de Marcuse e Adorno). Davis mostra como a política de “guerra
às drogas” surgiu em um contexto de globalização neoliberal, que rapidamente
deixou desempregada parcela substancial da população estadunidense. A criminalização
da negritude e da pobreza foi operacionalizada, aqui, como uma forma de
responder aos problemas socioeconômicos que surgiam em uma América que se
desindustrializava (à medida que as grandes corporações, mantendo suas sedes
nos Estados Unidos, levavam suas fábricas para países da periferia do
capitalismo, com mão-de-obra mais barata). Para Davis, o abolicionismo penal
(i.e., a luta pela extinção das prisões) está diretamente ligado ao
enfrentamento do racismo.
Abaixo, postamos dois links: o primeiro traz o cronograma e a bibliografia do curso, bem como alguns slides utilizados nas aulas ministradas; o segundo traz os textos de leitura obrigatória de que nos valemos, ao longo da disciplina.
Material utilizado
Textos da bibliografia obrigatória
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