Sou,
desde o segundo semestre de 2018, professor de Filosofia do Direito na
Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desenvolvo
pesquisas sobre o pensamento jurídico crítico (em especial os Critical Legal Studies e a Critical Race Theory), sobre a história
da Filosofia do Direito no Brasil e na América Latina (Edgar da Mata Machado,
Henrique Cláudio de Lima Vaz, Roberto Mangabeira Unger etc.) e sobre o
desenvolvimento do Estado moderno/contemporâneo (a secularização, o
desenvolvimento dos conceitos de ‘soberania’ e de ‘razão de Estado’, a passagem
do pluralismo ao monismo jurídico, o colonialismo, a bio/necropolítica...).
Eis o link da minha página no Academia.edu, com boa parte das minhas publicações: Academia.edu
Eis o link da minha página no Academia.edu, com boa parte das minhas publicações: Academia.edu
Abaixo, o
memorial que defendi quando do meu ingresso na UFRJ, explicando um pouco sobre
a minha trajetória:
memorial
Direito
e estado entre tradição e subversão
(Atividade acadêmica, exposição analítica e
Crítica da produção científica)
(Atividade acadêmica, exposição analítica e
Crítica da produção científica)
Philippe Oliveira de
Almeida
Belo Horizonte – Minas
Gerais
Janeiro de 2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO
DE JANEIRO
FACULDADE DE DIREITO
PHILIPPE OLIVEIRA DE
ALMEIDA
Memorial
Direito e Estado entre
tradição e subversão
Memorial submetido como parte dos requisitos da inscrição no
concurso público de provas e títulos para provimento efetivo de vaga da
carreira de magistério superior na Classe A, com a denominação de Professor
Adjunto A, Nível 1, lotado na Universidade Federal Do Rio de Janeiro e
destinado ao Departamento de Teoria do Direito – vaga para Filosofia do Direito
(Edital nº. 860/2017)
“Onde estão os sonhos nas grades curriculares?”
Rubem Alves, A pedagogia dos caracóis
Rubem Alves, A pedagogia dos caracóis
Memorial
– Direito e estado entre tradição e subversão
Sumário: 1. Palavras iniciais. 2. Um breve autorretrato
(COLTEC e RBEP). 3. Bacharelado em Filosofia e em Direito. 4. Trabalhos de
Conclusão de Curso (Lima Vaz e Mata Machado). 5. Dissertação (Raízes medievais
do Estado moderno). 6. Tese (Crítica da razão antiutópica). 7. Pós-doutorado
(Diplomacia e guerra nas utopias do Antigo Regime). 8 Movimento estudantil e
atividades de representação acadêmica. 9. Magistério. 10. Horizontes futuros.
1. Palavras iniciais
Preliminarmente, peço licença ao leitor para valer-me, nas
próximas páginas, da primeira pessoa do singular. No universo acadêmico, o
plural majestático é a regra (na linguagem escrita e, mesmo, na linguagem
oral). No presente (con)texto, porém, poderia incutir no leitor uma falsa
sensação de objetividade ou de neutralidade. Um Memorial pressupõe,
evidentemente, a rememoração de
experiências pessoais. À diferença de um artigo científico, arrima-se, não no
sujeito transcendental da theoria (o
“nós” da comunidade de pesquisadores), mas no sujeito empírico da práxis (o “eu”, em sua labilidade e em
sua contingência). Com o raiar da Modernidade, passou-se a acreditar que, para
que atinjamos o conhecimento sistematizado – filosófico, científico ou técnico
–, devemos “pôr entre parênteses” nossas vivências subjetivas. Nos laboratórios
e nos gabinetes, nos despimos de nossas esperanças e angústias, nossos valores
e hábitos, metamorfoseando-nos em Razão Pura. A redação de um Memorial implica
o “regresso do recalcado”: o “eu” assume seu lugar de direito, fazendo com que
as etapas da evolução de um intelectual – cada titulação, cada escrito… –
voltem a ser vistas, não como o desenvolvimento inexorável do Sistema de um Autor, mas como escolhas fortuitas, marcadas pelo acaso, erros e
acertos de um indivíduo concreto. O Memorial restitui à biografia (a vida privada e íntima do pesquisador) a parte que lhe
cabe na narrativa sobre a feitura da obra teórica.
Substituir o “nós” pelo “eu” não significa, todavia, ignorar
a natureza eminentemente colaborativa do labor acadêmico. Não reconheço apenas
a mim mesmo nos empreendimentos que desenvolvi e desenvolvo (e que descreverei,
de forma suscinta, no correr deste Memorial); meus amigos e familiares, bem
como meus professores, colegas e alunos, imprimiram, todos, marcas indeléveis
em meu/nosso trabalho. “Eu sou eu e minhas circunstâncias” (Ortega y Gasset): a
filosofia contemporânea sepultou, de há muito, a crença cartesiana em um self monádico, insular e
autorreferencial. A subjetividade é construída por uma rede de relações. Assim,
nenhum produto intelectual ou artístico traduz – apenas – as incongruências de
seu criador; é o reflexo de uma região e de um momento, de um grupo indefinido
de pessoas, de um Zeitgeist. Compete
a mim solicitar ao leitor que também considere essas “energias sociais
anônimas”, todas as vezes em que eu recorrer à primeira pessoa do singular.
Este Memorial apresenta, de forma discursiva e
circunstanciada, uma análise crítica sucinta das atividades acadêmicas que
realizei, em minha formação e em minha atuação profissional. Como Nelson
Rodrigues disse, certa feita: “toda autocrítica tem a imodéstia de um
necrológio redigido pelo próprio defunto”. Não é, contudo, minha pretensão
tecer, aqui, meu elogio fúnebre: se avalio os frutos de meus esforços
pretéritos, é com o fito de preparar minhas perspectivas futuras de estudo e
pesquisa, os projetos que anseio desenvolver nos próximos anos de minha vida docente.
É por esse motivo que, findo o grupo de seções destinadas à apreciação de
episódios relevantes da minha carreira, concebi um tópico prospectivo, que
procura delinear metas de curto e médio prazos. Salientar a importância das
contribuições que já dei à minha área de atuação só se justifica na medida em
que tais feitos possam repercutir sobre minhas potenciais realizações
vindouras. Não quero me vangloriar por conquistas passadas, mas descortinar
horizontes nos quais minha intervenção pode vir a ter impacto.“Toda árvore é
reconhecida por seus frutos. Ninguém colhe figos de espinheiros, nemuvas de
ervas daninhas” [Lucas 6:44].
Entretanto, antes de iniciar a descrição de meu itinerário
formativo, preciso delimitar meu “lugar de fala”. Não sendo possível (ou
desejável) extirpar do discurso os juízos de valor, a postura mais honesta a se
adotar em face dos interlocutores envolve explicitar nossos pontos de partida, as
fileiras junto às quais nos alistamos nos embates da História. Ofereço ao
leitor, pois, um esboço de autorretrato. Uma ressalva: como a psicanálise já
demonstrou, a consciência não é transparente a si mesma. Nossas próprias ações
podem nos parecer obscuras ou confusas; quando, retroativamente, examinamos
nossa conduta, atribuímos a ela sentidos extemporâneos. A reflexão (o Espírito se flexionando sobre seu próprio ser)
configura, via de regra, um processo de ressignificação:
todos os dias, testamos formas novas – e não raro incompatíveis – de
compreendermos a nós mesmos, quer dizer, de descrevermos nossa posição no
mundo. Com essas observações, alerto para o fato de que qualquer representação
de mim mesmo que venha a elaborar será sempre, necessariamente, apenas uma hermenêutica possível, entre outras.
Caso amanhã me aventure, uma vez mais, a traçar um autorretrato, utilizarei,
por certo, tintas diferentes.
2. Um breve autorretrato
(COLTEC e RBEP)
Sou negro, homossexual e pobre, nascido e criado na
periferia da periferia de Belo Horizonte (Bairro Jardim dos Comerciários, em
Venda Nova). Filho de uma técnica em enfermagem com um eletricista. Minha rua é
o limite entre a capital de Minas Gerais e o município, paupérrimo, de Vespasiano,
no qual se situa a instituição onde completei meu ensino fundamental, a Escola
Estadual Antenor Pessoa (lugar hoje familiar às páginas policiais dos jornais mineiros).
Desde a infância, enfrentei o preconceito, a discriminação e a violência. Por
isso, jamais me deixei seduzir pela retórica, liberal, segundo a qual
estaríamos às portas de uma era inclusiva e multicultural – um capitalismo com
face humana. O Estado Democrático de Direito, que se instaura no Brasil com a
Nova República, tem suas próprias estratégias, insidiosas, de exclusão e
opressão (sendo a brutalidade policial apenas a mais explícita delas). Parcela
substancial das teorias do Direito contemporâneas constituem-se em construções caucionárias, incumbidas de
justificar a ordem vigente – que, em sua coerência e integridade, formaria um
sistema racional, livre de antinomias ou lacunas. Minha trajetória pessoal
tornou-me imune aos encantos de tais empreitadas de legitimação. Diante das
tribulações, aprendi a refugiar-me nos livros (quando criança, li três coleções
de enciclopédias: Barsa, Larousse Cultural e Abril), e cedo descobri a
filosofia. Exercício de interrogação radical, a especulação filosófica parecia
o caminho natural a um jovem que se sentia “deslocado”, inadaptado à realidade
circundante. No começo, acerquei-me de pensadores críticos, voltados ao
desmascaro do ímpeto autocrático subjacente aos projetos modernos de
“emancipação” e “esclarecimento”. Durante toda a minha adolescência, estudei,
obsessivamente, os textos de Foucault, identificando-me a suas tentativas de
“expor as manchas de sangue nos códigos”, a barbárie subjacente ao humanismo
ocidental. Só o ingresso na Universidade Federal de Minas Gerais viria a
ampliar meu repertório de leituras.
Com sacrifício titânico, consegui, aos quatorze anos, ser
aprovado no processo seletivo para o ingresso no Colégio Técnico da UFMG
(COLTEC), que eu via, fundamentalmente, como um recurso para escapar ao bullying que sofria na escola do meu
bairro – mais tarde, vim a saber que foi com o mesmo objetivo que Richard Rorty
antecipou em vários anos sua saída do ginásio e sua entrada na universidade. A
oportunidade de, ainda impúbere, frequentar o campus foi central à minha instrução. Transformei-me em
frequentador assíduo do Cine-Clube da UFMG, coordenado pelo professor Heitor
Capuzzo, que exibia mostras de filmes na Escola de Belas Artes. Ademais,
passava tardes inteiras nas bibliotecas da Faculdade de Letras (FALE) e da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH). Vez por outra, escolhia
aleatoriamente uma sessão de defesa de dissertação ou tese, para assistir a
acadêmicos esgrimindo-se. Flanar pelas diferentes unidades do campus garantiu-me uma bagagem cultural
que eu nunca teria adquirido, na zona humilde em que resido.
Quase todos os professores do COLTEC são entusiastas do
ensino participativo, e é neles, ainda hoje, que me espelho, na luta contra a
“educação bancária” e a “colonização epistêmica”. Todavia, trata-se de um
colégio técnico, que enfatiza as
“ciências duras”, disponibilizando pouco espaço às Humanidades. Por essa razão,
eu frequentemente cabulava aulas, me demorando pelos corredores, a ler
Foucault. Diante dessa situação, uma professora – Gisele Brandão Machado de
Oliveira – me exortou a participar do projeto de iniciação científica júnior
por ela capitaneado, o Programa de Vocação Científica (PROVOC). Estimulando a
interlocução entre estudantes de ensino médio e pesquisadores, o PROVOC
estendia seus tentáculos sobre as mais diversas áreas do saber. Após um teste vocacional,
fui selecionado para atuar, como bolsista, na Faculdade de Direito da UFMG,
junto à equipe do professor José Luiz Borges Horta. À época, Horta era diretor
da Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP), e liderava uma pesquisa
intitulada “Potestas Scientiae, Scientia
Potestae: uma investigação do alcance e do impacto da Revista Brasileira de
Estudos Políticos”. Incluído, aos dezesseis anos, nos trabalhos do grupo
(voltados ao resgate do legado de Orlando Magalhães Carvalho), pude visitar,
semanalmente, a RBEP, onde conheci diversos alunos e professores da Vetusta
Casa de Afonso Pena. Nesse período, Horta incentivou-me a estudar outros
filósofos além dos “pós-modernos” – tive, então, meu primeiro contato com Kant
e Hegel. Ao cabo de um ano, apresentei, na XIV Semana de Iniciação Científica
da UFMG, um pôster sobre o pesquisa que desenvolvera, análise das influências
da redemocratização brasileira nos artigos publicados pela RBEP. Eu, que até
aquele momento não sonhava em cursar ensino superior, me dispunha a prestar
vestibular para Direito e Filosofia. Antes mesmo de chegar à idade adulta, já
me decidia a tornar-me um filósofo do Direito.
3. Bacharelado em Filosofia
e em Direito
Em 2006, fui aprovado no curso de Direito da UFMG (noturno)
e no curso de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE
(matutino). Optei por cursá-los simultaneamente, com o apoio de minha família,
que muito labutou para que eu pudesse adiar – em muitos anos – meu ingresso no
mercado de trabalho, e dedicar-me exclusivamente aos estudos. Abordarei, em
breves linhas, minhas experiências nos bacharelados de Filosofia e de Direito,
que pavimentaram o caminho para as pesquisas que desenvolvi em sede de pós-graduação.
O curso de Filosofia da FAJE (no qual ingressdi como
bolsista) propicia uma sólida formação histórica e sistemática, com ênfase nos
“clássicos”. Ajudou-me a pôr de lado meus preconceitos no que toca à
“logocêntrica” herança das filosofias antiga, medieval e moderna – também elas,
e não apenas o discurso pós-moderno, apresentam potencialidades críticas e
subversivas. Essa constatação não me impede de enxergar, em paradigmas de
racionalidade universalizantes e formalistas, instrumentos imperialistas – vale
lembrar que, por um semestre, atuei como monitor voluntário da disciplina de
Lógica, e, mesmo nas mais abstratas elucubrações da Lógica Matemática, insistia
em encontrar impasses ideológicos. Desde o primeiro ano de graduação, frequentei,
informalmente, a reuniões do grupo de estudos em Ética contemporânea coordenado
pelo professor Francisco Javier Herrero Botín. Tais encontros, centrados em
debates sobre Ética do Discurso, consolidaram minhas suspeitas quanto aos
sistemas doutrinais de Apel e Habermas (que vejo, basicamente, como tentativas
de validação ideológica de intervenções humanitárias em um contexto de
globalização).
Em 2007, participei da primeira leva de membros do Grupo de
Estudos de Ética Vaziana, fundado pelo professor Delmar Cardoso (o grupo
continua, hoje, em atividade, agora sob coordenação da professora Cláudia Maria
Rocha de Oliveira). Dedicado ao resgate da obra de Henrique Cláudio de Lima
Vaz, o projeto sensibilizou-me para o problema da construção de um filosofar
autenticamente brasileiro, que, sem perder o rigor metodológico, seja capaz de
fazer frente aos grandes dilemas nacionais. Essa perspectiva foi determinante
para o percurso que, desde então, trilhei, como atestam as pesquisas
monográficas que desenvolvi ao final de meus bacharelados (elas são apreciadas
com mais vagar, adiante).
O curso de Direito da UFMG (o ensino jurídico pátrio, em seu
conjunto) era, quando de meu ingresso (e segue sendo, em alguma medida), excessivamente
centrado em aulas expositivas, lectures.
A Dogmática Jurídica entende que as atribuições do professor de Direito se
reduzem à exegese de textos legais. Embora algumas das principais colunas de
resistência ao juspositivismo estejam radicadas nas Minas Gerais, é notória a
prevalência, ainda hoje, de visões normativistas. Ora, desde o início da
graduação bati-me (acostumado que estava, egresso do COLTEC, a metodologias
alternativas de ensino-aprendizagem) contra semelhante espírito: ousei,
inclusive, redigir alguns panfletos denunciando a indiferença, da parte de
muitos professores, com relação às questões éticas, sociais e políticas
atreladas à atividade forense. Destaco os textos “Já fomos alfabetizados…” (em
coautoria com Adam Vieira Santos) e “Os dilemas do ensino jurídico na
modernidade tardia”, ambos publicados, em 2010, nas páginas do Voz Acadêmica,
periódico oficial do Centro Acadêmico Afonso Pena. Para ultrapassar o abismo
que via entre o Direito ensinado e o Direito vivido (law in books e law in action),
inscrevi-me como jurado no I Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte
(exercendo o múnus no mês de agosto de 2010), e estagiei em diversas
instituições diferentes: a Procuradoria da UFMG, em seu setor de atendimento ao
Hospital das Clínicas; a Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais; a 7ª Vara
da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte; o
escritório Junqueira & Ferraz Advogados; e o Núcleo de Assessoramento
Jurídico da Advocacia Geral da União. Não faria o menor sentido, aqui, detalhar
as atividades que desempenhei, em ditos estágios. Basta sublinhar que, em
todos, optei por enveredar-me nas sendas do Direito Administrativo, com o fito
de avizinhar-me de questões concernentes ao cotidiano do Poder Público. Uma
síntese das considerações que, então, formulei a propósito da disciplina podem
ser encontradas no artigo ‘Autonomia universitária, fundações de apoio e
Tribunal de Contas da União’, publicado, em co-autoria com Yuri Luna Dias, na
Revista Brasileira de Direito Constitucional Aplicado. Situado – tal qual o
Direito Constitucional – no limiar entre o político e o jurídico, o Direito
Administrativo parecia-me um meio para compreender a tensão entre o poder e a
norma. Dedicadas a estudar a monopolização do Direito (da atribuição de
solucionar lides e crias regras) pelo Estado moderno, minha dissertação e minha
tese não teriam sido possíveis sem referidas vivências.
4. Trabalhos de Conclusão
de Curso (Lima Vaz e Mata Machado)
Há conexões profundas entre os dois trabalhos de conclusão
de curso que realizei, motivo pelo qual decidi analisá-los conjuntamente. Conforme
já salientei, a participação no Grupo de Estudos de Ética Vaziana despertou
minha atenção para o tema da (in)existência de um pensar filosófico nacional. Filosofia
do Brasil ou filosofia no Brasil? Há filosofia(s), de fato, brasileira(s)? A discussão remonta a
priscas eras, incitada por obras como o clássico Um departamento francês de Ultramar, de Paulo Eduardo Arantes, bem
como pelos polêmicos papers de meu
querido professor Paulo Margutti, à semelhança de “Sobre a nossa tradição
exegética e a necessidade de uma reavaliação do ensino de filosofia no país”.
Muitos autores – caso de Arantes e Margutti – sugerem que o esmero filológico
das universidades brasileiras vem obstaculizando o florescer de sistemas
filosóficos originais. Minhas monografias, na Filosofia e no Direito, podem ser
interpretadas como (modestas) contribuições a esse debate. Investigando a obra
de dois teóricos mineiros – Lima Vaz e Edgar de Godói da Mata Machado –
procurei mostrar como, revisitando filósofos europeus, a intelectualidade
nacional foi capaz de conceber doutrinas próprias, em estreito diálogo com desafios
tipicamente latino-americanos.
Nos dois textos, busco – condensando aflições que me
acompanhavam desde o ensino médio – apresentar sistemas filosóficos que põem em
xeque um modelo unilateral, massificador e homogeneizante de modernização.
Muitos intelectuais e estadistas visaram, em seus respectivos países,
implementar planos kemalistas de industrialização a fórceps, identificando, no Ocidente moderno, um paradigma absoluto
de desenvolvimento civilizacional. Terminaram, desse modo, por – em regiões da
América Latina, da África e da Ásia – soterrar valores e costumes tradicionais,
emulados em honra à razão instrumental. Embora partam de fontes eminentemente
europeias, Lima Vaz e Mata Machado conseguiram problematizar as pretensões de
universalidade da tecnociência moderna, denunciando seu impulso totalitário. O
resgate dos trabalhos de um e de outro – destacando a contribuição de ambos
para a sedimentação de um filosofar nacional – é imprescindível a uma leitura
lúcida da história das idéias no Brasil.
Ao final de minha graduação em Filosofia, sob orientação do
Padre João Augusto Anchieta Amazonas Mac Dowell, apresentei, na Faculdade
Jesuíta de Filosofia e Teologia, minha monografia, batizada de “A doutrina
tomista do juízo em Lima Vaz” (em 2011, ela viria a ser publicada na íntegra,
nas páginas do periódico Pensar –
Revista Eletrônica da FAJE). Nela, demonstro como, recepcionando categorizações
de Étienne Gilson e Joseph Maréchal, Lima Vaz erige uma nova epistemologia,
apta a, simultaneamente, servir de sustentáculo a uma remoçada Metafísica e
responder às críticas kantianas à ontologia tradicional. Inspirado em Tomás de
Aquino e na tradição tomista, Lima Vaz procura, contra as abordagens
relativistas (não-fundacionistas) contemporâneas, atualizar o “realismo
crítico” característico das filosofias da Antiguidade e do Medievo.
Há bibliografia, em contínua expansão, a propósito do
pensamento limavaziano. A maioria dos estudiosos, contudo, tende a superestimar
o papel de Hegel (e do Idealismo Alemão como um todo) sobre a obra do filósofo
mineiro. Leituras similares evidenciam distorções na compreensão que temos,
ainda hoje, a respeito da recepção que a filosofia medieval e a moderna
filosofia alemã tiveram em nossas plagas. Na esteira de meu trabalho de
conclusão de curso, tratei de, em investigações subsequentes, retificar tais
entendimentos, realçando o locus da
Escolástica na formação de Lima Vaz (e de toda uma geração de intelectuais
brasileiros). Nos quatro Colóquios Vazianos de que – entre 2008 e 2016 – pude
participar apresentando trabalhos, procurei, reiteradamente, frisar os elos
entre os escritos do Aquinate e a doutrina do filósofo jesuíta. Uma condensação
dessas intervenções pode ser encontrada em dois artigos de minha autoria: “Lima
Vaz: hegeliano ou tomista?”, capítulo do livro Os aportes do itinerário intelectual de Kant a Hegel, organizado
pelos professores Héctor Ferreiro, Thomas Sören Hoffmann e Agemir Bavaresco; e
“De Hegel a Tomás de Aquino: Lima Vaz e o Tomismo Transcendental”, capítulo do
livro Hegel, organizado pelos
professores Marcelo Carvalho, Ricardo Tassinari e José Pertille. Ainda no campo
das minhas reflexões sobre a filosofia transcendental e o Idealismo Alemão,
publiquei, em 2016, juntamente com a professora Karine Salgado, artigo
intitulado ‘Kant entre republicanismo e liberalismo’ – em livro, organizado por
ela e pelo professor José Luiz Borges Horta, com o nome ‘Razão e poder:
(re)leituras do político na filosofia moderna’.
Em 2009 (dois anos antes do encerramento de minha graduação
em Direito), procurei o professor Arthur José Almeida Diniz, para que me
orientasse em meu trabalho de conclusão de curso, sobre Mata Machado.
Finalizado apenas em 2011, o texto recebeu o título de “A doutrina tomista do debitum em Mata Machado”. Nesse ensaio
monográfico, busco, inicialmente, evidenciar a influência do filósofo Jacques
Maritain e do escritor Georges Bernanos sobre o trabalho do pensador mineiro.
Em sequência, mostro como Mata Machado articula elementos tomados de um e outro
para revitalizar a doutrina tomista do debitum,
isto é, do Direito como coisa-devida. Findo o Pós-Guerra, inúmeros filósofos
católicos (como Mata Machado) atribuirão ao humanismo ateu a responsabilidade
pela difusão do nazifascismo. A “neutralidade axiológica” almejada pela
tecnociência moderna – resultado de uma radical separação entre razão e fé, ser
e dever ser – pavimentaria o caminho para que o espaço público fosse colonizado
pelas mais insensatas ideologias. No mundo do Direito, o juspositivismo seria a
materialização desse fenômeno, instituindo uma clivagem entre princípios éticos
e normas jurídicas. Não serão raros, assim, os pensadores que – à semelhança de
Maritain, Michel Villey, Alceu de Amoroso Lima, André Franco Montoro etc. – se
dedicarão a reconstruir o humanismo cristão, de sorte a edificar diques contra
novas incursões despóticas. É nesse cenário que devemos situar o personalismo
de Mata Machado.
Embora eu jamais tenha publicado minha monografia sobre Mata
Machado (que, de resto, se encontra disponibilizada na internet), adaptei o
argumento central para um texto mais sintético, chamado “A ‘filosofia cristã’
contra o autoritarismo: o Estado Novo e o Regime Militar na obra de Mata
Machado”. O artigo foi publicado em dossiê, a respeito do Golpe de 1964,
publicado em edição da Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Trata-se de uma
das poucas investigações disponíveis em português que abordam a presença de
Bernanos no Brasil – e a única, até onde sei, que aprofunda a pesquisa a respeito
do impacto de Bernanos sobre Mata Machado e outros pensadores mineiros.
Ademais, vale observar que a maioria dos escritos relacionados a Mata Machado é
apologética e superficial, não se detendo em sondar os aspectos inovadores de
sua doutrina. Para além dos encômios – merecidos – à memória de Mata Machado, meu
estudo se propõe a reconstruir seu sistema teórico de modo a revalorizar seu
pensamento.
As duas grandes guerras mundiais singularizam-se, dentre
outras coisas, pelo uso da tecnociência no fortalecimento da produção bélica –
a bomba atômica é a expressão acabada desse fenômeno. A situação despertou,
junto a diversos artistas e intelectuais, brutal desencanto face à razão
moderna. Nas décadas subsequentes, incontáveis acadêmicos se esmerarão em rastrear
formas alternativas de racionalidade, para além do logos apodítico pós-renascentista. O resgate do mito e da religião,
na Modernidade Tardia, muito deve a essa conjuntura. O renascimento do
jusnaturalismo, em fins da década de 1940, é sintoma dessa nova orientação. Por
um breve período – determinante, por exemplo, para a redação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948 –, acreditou-se possível o regresso às
concepções antiga e medieval de Direito Natural (donde a popularidade de
autores como Maritain, Villey, Leo Straus, Eric Voegelin etc.). O
jusnaturalismo de linhagem (neo)tomista, em específico, alcançará, em virtude
da Doutrina Social da Igreja, enorme aceitação, mormente na Latinoamérica. Embora
matriciais à constituição das bases do que veio a tornar-se o Estado
Democrático de Direito, esses teorias acabaram caindo no olvido, substituídas
por correntes “pós-positivistas” propriamente ditas. Lima Vaz e Mata Machado
são exemplares perfeitos dessa perspectiva. É por isso que, tomando-os
(juntamente com Voegelin e Maritain) como referência, tenho buscado, em
inúmeros trabalhos, sublinhar a importância histórica do jusnaturalismo
redivivo para a consolidação do sistema normativo imperante (sem, no entanto,
filiar-me a qualquer corrente de Direito Natural, consciente de que semelhante
caminho, nos dias que correm, resta concluído, já tendo cumprido seu papel).
Nessa direção caminha a palestra que proferi no I Simpósio Internacional de
Filosofia da Dignidade Humana, bem como o paper
que produzi, no início do ano, para o I Encontro de Pós-Graduação em
Filosofia da UFMG – publicado, na Revista Outramargem, com o título “Filosofia
como crítica das ideologias: o totalitarismo no embate entre Voegelin e
Kelsen”. Sumarizei tais ponderações no artigo “Neotomismo: alternativa ao drama
do humanismo ateu?”, que compõe capítulo dos anais do Simpósio Internacional
Filosófico-Teológico – FAJE (2014). Ainda no seio das discussões a propósito do
Direito Natural e o impacto da filosofia medieval sobre o pensamento moderno,
publiquei, na revista Theoria (Pouso Alegre), o paper ‘A historiografia da filosofia medieval, a forma teocrática
de governo e o humanismo do século XIII: considerações a partir de Walter
Ullmann’, e, na revista Opinião Filosófica, o texto ‘As leis no declínio do
Império: Agostinho acerca do Direito Romano’.
5. Dissertação (Raízes
medievais do Estado moderno)
Fator comum às reflexões dos autores que, desde a graduação,
tenho estudado (Lima Vaz, Mata Machado, Maritain, Villey etc.), é o objetivo de
elaborar uma análise genético-sintomática
da Modernidade. Como o Barão de Münchhausen, o pensamento moderno pretende
erguer-se no ar puxando-se por seus próprios cabelos. É autolegitimador e
autopoiético, motivo pelo qual se desconectaria de qualquer tradição
precedente, sustentando-se a si mesmo. Aqui se assentam suas ambições
universalistas: em virtude de seu desenraizamento,
os padrões modernos poderiam ser transplantados, com sucesso, para qualquer
território e cultura do planeta. É esse o cerne do debate entre Karl Löwith e
Hans Blumenberg, em torno do conceito de secularização.
A meta de Lima Vaz, Mata Machado e dos demais pensadores aventados é, precisamente,
desconstruir a auto-representação do homem moderno, expondo sua pudenda origo, suas “origens
vergonhosas”. Longe de representar uma força trans-histórica, uma invariante
antropológica (advinda de um céu platônico), a razão moderna tem uma gênese, é a resultante de uma
sucessão de acidentes, uma “comédia de erros”. Não é ruptura face às sociedades
tradicionais, mas filha dileta da tradição ocidental, tendo sua validade
circunscrita, pois, às fronteiras culturais da sociedade que lhe deu origem.
Toda modernização é, em última instância, ocidentalização, tentativa de impor a
outras civilizações horizonte de sentido próprio de um povo temporal e
espacialmente identificável. Esses filósofos revelam como a tecnociência – que
crê gerar-se a si mesma, dinâmica automotriz – é produto de escolhas
contingentes assumidas no correr da Cristandade medieval (devendo, assim,
aprender a conviver com outras cosmovisões igualmente legítimas).
Quando decidi, em 2011, submeter projeto de dissertação ao
processo seletivo do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG,
pretendia oferecer meu contributo à análise genético-sintomática da
Modernidade, a que me referi acima. No encalço dos filósofos por mim
trabalhados, queria demonstrar como dimensões da mentalidade moderna tomadas
por universalizáveis encontravam-se, na verdade, adstritas à história da
Europa. Não eram expressão de uma lógica inexorável, mas solução
circunstancial, criada pelas crenças, pelos mitos e ritos, pelo imaginário de um período. Optei por me
limitar a um item específico, o debate concernente à natureza das instituições
estatais. A Teoria do Estado, no mais das vezes, projeta, sobre qualquer tempo
e lugar, as mesmas características de centralização, burocratização e
racionalização que encontramos no Poder Público moderno. Para a maioria de nós,
hoje, é quase inconcebível a existência de comunidades políticas destituídas de
um aparelho autônomo de elaboração e aplicação de regras de conduta
(“sociedades contra o Estado”, para falar como Pierre Clastres). Acompanhando
Paolo Grossi e outros membros da escola florentina de História do Direito (mas
no interior de uma chave filosófica, e não historiográfica), procurei, em minha
dissertação, descrever o momento epocal de surgimento do Estado moderno, como
instituição detentora do (valendo-nos do vocabulário weberiano) “monopólio do
exercício legítimo da violência”. A ideia de que uma única esfera da vida
social deve exercer, com exclusividade, os poderes legiferante e judicante é,
na história da humanidade, a exceção, não a regra. Pretendi, em minha
dissertação, provar como o conceito tardo-medieval de plenitudo potestatis – que fazia do papa a instância última de
decisão, dirimidor geral de conflitos no seio da Cristandade – prenuncia a
noção de “soberania”, constituindo etapa importante na transição, no Ocidente,
entre o pluralismo jurídico feudo-vassálico e o monismo jurídico dos Estados
nacionais.
Defendida em 2013 – com o título “Raízes medievais do Estado
moderno: a contribuição da Reforma Gregoriana” –, minha dissertação, orientada
pela professora Karine Salgado, é um estudo no âmbito da Filosofia do Estado.
Tomando um episódio histórico delimitado como pano de fundo, propõe, ao fim e
ao cabo, uma reflexão sobre o sentido do Estado soberano, em sua diferença
específica face a outras instituições políticas (como a Igreja). Desse exame,
derivaram diversas pesquisas paralelas, que resultaram em comunicações de
trabalhos em congressos e em artigos publicados. Alguns exemplos, aqui, podem
ser relevantes. Incontáveis são os procedimentos metodológicos (as grelhas
analíticas) propostas, nas searas da filosofia e da historiografia, para retratar
a passagem do Medievo à Modernidade. Revisitando algumas dessas abordagens,
apresentamos, no I Congresso Internacional de Filosofia Jurídica e Política da
UFU, o trabalho “Veritas, filia temporis:
a Renascença medieval nas análises genealógicas de Foucault e Lima Vaz”.
Desenvolvida, a comunicação deu origem ao artigo “A digestão e a reprodução do
centauro: o a priori histórico em
Foucault”, dedicada a explorar as estratégias de investigação empregadas pelo
filósofo francês. Ainda nessa direção, defendemos, em “O navio afundado e o
submarino – a memória do legado jurídico-político greco-romano na Igreja
Medieval” (publicado nos anais da V Jornada Brasileira de Filosofia do Direito,
de 2011), a aplicabilidade de categorias nietzschianas – como a de “memória da
vontade” – no estudo da Renascença medieval. É esse o espírito, igualmente, que
nos guiou na consecução do texto “Da Reforma Gregoriana à revolução que não
sabia de si: para uma crítica arendtiana ao conceito de ‘Revolução Papal’”
(publicado nos anais do Colóquio de História Medieval LEME/UFMG, 2013), que
problematiza os esforços para enxergar, no rearranjo institucional que produziu
a noção de plenitudo potestatis, um
“processo revolucionário” (na acepção moderna da expressão).
6. Tese (Crítica da razão
antiutópica)
Em sede de doutorado (sob orientação, uma vez mais, da
professora Karine Salgado), propus-me a dar continuidade a minhas investigações
sobre a transição entre o medieval e o moderno – e sobre os elementos
caracterizadores do Estado soberano, que o diferenciam de outras modalidades de
organização social surgidas na história. Meu foco, também aqui, estará nem
tanto nos acontecimentos políticos
quanto no imaginário político, na
rede de símbolos que ampara o exercício do poder. Reverberando a
autorreferencialidade típica do pensamento moderno, o Estado emerge na época do
Renascimento como uma força imanente (ou autotranscendente), que não apela a
fundamentos externos a si – a ordem do cosmos, a vontade de Deus etc. – para
legitimar-se. Por isso, não seria limitado por nada além de si próprio – é o
que Grossi define como “insularidade do príncipe”. Ora, como essa perspectiva,
inconcebível antes do mundo moderno, forjou-se? Qual o papel da filosofia – e
do humanismo renascentista, em específico – nesse processo, que pode ser
descrito, em última análise, como “monopolização do Direito” (haja vista que o
Poder Público suprime outras instâncias que, até então, tinham jurisdição, autoridade para “dizer o
Direito”, como é o caso das corporações de ofício e dos tribunais
eclesiásticos)? Busquei responder a essas questões a partir da análise de um
objeto específico, qual seja, a literatura utópica do século XVI.
A filosofia política e a filosofia do Direito do Cinquecento apresentam inúmeras
inovações, frente aos pensamentos antigo e medieval. É o tempo de Maquiavel e
de Bodin, marcado por uma nova compreensão sobre as artes de governar. É nesse
período que Morus cunha o termo ‘utopia’, e com ele inaugura um novo gênero literário.
A maioria dos pesquisadores, no entanto, tende a ver no trabalho de Morus (e
dos utopistas que acompanharam suas pegadas) uma excrescência medieval,
deslocada em uma cena que assiste ao alvorecer do “realismo político”. Em uma
abordagem francamente contra-hegemônica, procurei ressituar o utopismo em seu
próprio tempo, identificando nele um desdobramento do pensamento
jurídico-político da Primeira Modernidade. Os utopistas do século XVI (Morus,
Rabelais, Doni, Campanella etc.) encontravam-se integrados ao debate humanista,
interferindo, de forma ativa, no rearranjo institucional pelo qual passava a
Europa de então. Suas obras, nesse sentido, podem nos ajudar a reconstituir os
componentes centrais da cultura política quinhentista.
Em quê os romances utópicos do século XVI diferem das
instituições imaginárias que lhes precedem (as lendas sobre Atlântida e sobre o
País de Cocanha, o Paraíso Perdido e a Jerusalém Celeste etc.)? Essa questão
pode auxiliar-nos na compreensão da clivagem entre as instituições políticas
pré-modernas (como a pólis grega, a
tribo germânica, o Império Romano etc.) e o Estado soberano que começa a se
insinuar no período renascentista. Para enfrentar esses temas, recorri às
categorias – desenvolvidas pelo movimento dos Critical Legal Studies e por Roberto Mangabeira Unger – de
“fetichismo institucional” e “imaginação institucional”. Defendi que a utopia e
o Estado irmanam-se (e se afastam da cosmovisão política precedente) por se
constituírem em exercícios de experimentalismo institucional, tentativas
conscientes e calculadas (exclusivamente modernas, pois) de reconstruir o
espaço público sem apelar a marcos transcendentes. O Estado, como a utopia, é
obra de arte (como Jacob Burckhardt já intuía), constructo assumidamente
artificial, historicamente condicionado, viável apenas em uma era que abole o
recurso a horizontes metafísicos. Pauta-se na fé, nutrida pelos humanistas da
época do Renascimento, nos poderes demiúrgicos do homem, quer dizer, em suas
ilimitadas potencialidades criativas. É esse, em linhas gerais, o escopo da
tese que defendi, intitulada “Crítica da razão antiutópica: inovação
institucional na aurora do Estado moderno”.
Qual o aporte desse estudo para o tempo presente? O
pensamento jurídico crítico, desde a década de 1970, esforça-se por mostrar que
o ordenamento jurídico liberal não constitui um dado inevitável, racional e
necessário, produto de deduções lógicas, mas o resultado de escolhas
contingentes e reversíveis. Na Modernidade Tardia, somos frequentemente
convencidos de que qualquer proposta de reformulação do desenho institucional
nos levará, fatalmente, ao totalitarismo, e que o sistema liberal e a
democracia de massas representam o melhor (ou o menos pior) dos mundos
possíveis. A tradição utópica, que, no alvorecer da Modernidade, salientava a
plasticidade das ordens sociais humanas, poderia insuflar nova vida a essa
discussão.
Ao longo do doutorado, desenvolvi diversos estudos que,
vinculados à pesquisa da tese, não podiam ingressar, porém, no texto final. Ainda
em 2015 comecei a publicá-los, mas há diversos materiais em processo de
avaliação. Nesses ensaios, exploro aspectos específicos vinculados ao humanismo
renascentista e ao utopismo moderno. Dois exemplos, já editados, dessas
reflexões se encontram nos artigos “Dos delitos e das penas nas utopias do
século XVI” (publicado em Direito, arte e
literatura, organizado por André Karam Trindade, Marcelo Campos Galuppo e
Astreia Soares) e “O jovem Hegel leitor de Maquiavel” (escrito em coautoria com
Ana Guerra, e publicado, no início de 2016, pela Revista Práxis). Um dos marcos
teóricos de parti, na discussão sobre a dialética entre “inovação
institucional” e “fetichismo institucional”, foi o filósofo grego (radicado na
França) Cornelius Castoriadis. Uma síntese de minhas considerações a partir de
Castoriadis pode ser encontrada no artigo, que publiquei em 2016 na Revista
Estudos Filosóficos, ‘Universalismo e relativismo cultural em Castoriadis’.
7. Pós-doutorado
(Diplomacia e guerra nas utopias do Antigo Regime)
Com bolsa
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, iniciei, em
2017, estágio pós-doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação do Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina. Sob supervisão do
professor Arno Dal Ri Júnior, desenvolvi pesquisa intitulada ‘Diplomacia e
guerra nas utopias do Antigo Regime: humanismo, Direito das Gentes e inovação
institucional’. Com base em indagações que se impuseram a mim ainda durante a
feitura da tese, concebi o projeto de pós-doutorado como um esforço para
articular Direito Internacional e utopia, tomando como ponto de partida um
estudo acerca do tratamento dado aos temas da ‘diplomacia’ e da ‘guerra’ na
literatura utópica da Modernidade Clássica (do início do século XVI ao fim do
século XVIII). Como a cidade filosófica declara guerra? E como celebra paz? Que
razões podem justificar, em um país utópico, a intervenção sobre outros
territórios? Que práticas são consideradas legítimas, e que práticas não o são,
na batalha? Essas questões – que lançam luz sobre a passagem, no Antigo Regime,
do ius gentium ao ius inter gentes, e nos oferecem um novo
olhar sobre o trabalho dos clássicos fundadores do Direito Internacional
(Grotius, Vattel etc.) – guiaram minha investigação. Como “Romance do Estado
ideal”, o texto utópico (gênero que se prolifera nos séculos XVII e XVIII) é
material rico para que estabeleçamos um painel amplo das concepções teóricas
desenvolvidas, durante a Modernidade Clássica, no que toca à relação entre
países.
No âmbito
do pós-doutorado, apresentei, no V Congresso Internacional da Revista Morus, no
Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, conferência intitulada ‘Da
insularidade da utopia à insularidade do Estado: o monopólio da violência no
Antigo Regime e na Revolução Francesa’ (a ser publicada na Revista Morus). No
Centro de Ciências Jurídicas da UFSC, ministrei a palestra ‘O pesquisador em
Direito: operário ou artista?’ e o minicurso ‘Metodologia de pesquisa na
Filosofia do Direito’, além de participar de
debate com o professor finlandês Heikki Pihlajamäkki (da Universidade de
Helsinki), intitulado ‘Comparative Legal History in Perspective: Methodological
Aspects, Legal Education and Codification’. Na UFMG, foi convidado a fazer uma
palestra com o título ‘Utopia e tolerância nas guerras religiosas dos séculos
XVI e XVII’; ademais, chamado entre os conferencistas do II Simpósio
Internacional de Filosofia da Dignidade Humana, apresentei paper (a ser publicado em livro organizado pela professora Karine
Salgado) com o título ‘O nazismo é um humanismo? Rosenberg e os direitos do
homem’. Acompanhando uma equipe de professores da UFSC, participei de eventos
acadêmicos na Itália, na Bélgica e na Finlândia. Na Universidade de Helsinki,
apresentei a comunicação ‘Colonial law in utopian literature: representations
of Imperialism in Renaissance Fiction’. Ainda como desdobramento de meus
estudos pós-doutorais, publiquei, em 2017, o artigo ‘Entre ideologia e utopia:
a dialética da imaginação em Mannheim’ (na Revice – Revista de Ciências do
Estado). Tive ainda, aceitos para publicação, os artigos ‘O neoliberalismo e a
crise dos Critical Legal Studies’
(pela Revista Direito & Práxis, que já disponibilizou o texto, em ahead of print, em seu endereço
eletrônico) e ‘A Faculdade de Direito como oficina de utopias: um relato de
experiência’ (que será lançado, ainda no primeiro semestre de 2018, pela
Revista da Faculdade de Direito da UFMG). Juntamente com o professor Arno Dal
Ri Júnior, produzi dois textos – ‘Colonial law in utopian literature’ e ‘A
questão da (in)tolerância nas utopias do século XVII’ – a serem veiculados,
ainda em 2018, em periódicos internacionais.
8. Movimento estudantil e
atividades de representação acadêmica
Concluída a meditação a respeito dos projetos de pesquisa
que desenvolvi na graduação e na pós-graduação, devo, rapidamente, descrever
minha atuação na representação acadêmica, no correr de minha trajetória.
Em 2009, durante a graduação em Direito, tornei-me diretor
de Ensino e Pesquisa do Centro Acadêmico Afonso Pena. Além de auxiliar na
organização de alguns eventos – como o Ciclo de Iniciação Jurídica do CAAP e da
UFMG e o Seminário 25 anos sem Michel Foucault –, assumi, em virtude de minha
participação na militância estudantil, o encargo de representante discente
junto ao Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo de Direito
da UFMG (DIT).
No mesmo ano, tornei-me membro efetivo do Conselho de
Diretores da UFMG, discutindo, notadamente, a possibilidade ou não de
construção (a partir de repasse do Governo Federal) de uma pró-reitoria de
assistência estudantil.
Imediatamente após iniciar o mestrado, fui convidado pelo
Diretório Central dos Estudantes para atuar como membro efetivo do Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão – CEPE da UFMG. Alocado junto à Câmara de Pós-Graduação,
participei, durante o ano de 2012, de discussões centrais no que toca à
condução dos programas de pós-graduação na Universidade.
Em virtude de meu desempenho no CEPE, a Associação de
Pós-Graduandos da UFMG (APG-UFMG) convidou-me a participar de seu – malfadado –
processo de refundação. Assumindo o encargo de secretário da instituição,
representei os pós-graduandos da Universidade em diversas reuniões e eventos,
como o I Encontro Mineiro de Pós-graduandos (ocorrido na Universidade Federal
de Ouro Preto no ano de 2013), momento importante para a consolidação de uma
mobilização dos estudantes mineiros de pós-graduação em torno de causas comuns.
Na APG-UFMG, pugnamos, por exemplo, pela construção de novos mecanismos de combate
ao assédio moral sofrido por mestrandos e doutorandos no âmbito da Universidade.
Em 2013, atuei, juntamente com os professores Florivaldo
Dutra de Araújo, Mônica Sette Lopes e José Luiz Borges Horta, na Comissão de
Reforma do Regulamento do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da
UFMG. Fui, ainda, membro de comissão, presidida pelo professor Giordano Bruno
Soares Roberto, responsável por preparar dados acerca do Programa de
Pós-Graduação em Direito da UFMG utilizados no preenchimento do aplicativo
Coleta Capes (triênio de 2010/2013). Ambas as experiências foram fundamentais
para que eu me familiarizasse com o cotidiano administrativo dos programas de
pós-graduação, bem como com os critérios estipulados pela CAPES para avaliar
cursos de mestrado e doutorado.
Em 2015, fui chamado a participar como membro efetivo da
Comissão de Avaliação de Desempenho Didático do Corpo Docente da UFMG.
Presidido pela professora Marisa Ribeiro Teixeira Duarte, o grupo tinha a
tarefa de elaborar proposta de resolução destinada a estabelecer parâmetros
para a participação discente na aprovação da progressão funcional de docentes.
Durante quase um ano, em meio a incontáveis pesquisas e reuniões, debatemos os
critérios da progressão horizontal, vivência que muito contribuiu para que eu
compreendesse, de forma mais aprofundada, os meandros da carreira de professor
universitário nas instituições federais de ensino.
Em todas essas funções, advoguei pela consolidação de um
movimento estudantil participativo e independente, em contínua interlocução com
o alunato. Em diversos momentos, temendo a apropriação de centros acadêmicos
por interesses alheios à Universidade, vim a público em defesa da autonomia do
corpo discente. Destaco, nesse sentido, dois artigos de opinião que, em
momentos distintos, publiquei no Boletim da Universidade Federal de Minas
Gerais, com a finalidade de me fazer ouvir na discussão relativa aos rumos do
movimento estudantil: “Nascimento da tragédia: a Nova República e o movimento
estudantil” (2009) e “O Revolucionário veste Prada: Radical chic no movimento
estudantil” (2012). Em ambos os panfletos procuro denunciar o aparelhamento da instituição
por grupos a ela externos, em prejuízo do avanço da Universidade.
9. Magistério
Por fim, cabe tecer breves considerações sobre minhas
atividades docentes.
Ao terminar, em 2011, minha graduação em Direito, fui
convidado pelo advogado Itamar Buratti a participar, como professor e
capacitador em Direitos Humanos, de um curso de formação para gestores municipais
elaborado no âmbito do Convênio 087/2011 do Programa Travessia, firmado pelo
Estado de Minas Gerais e o Instituto DH. Durante um curto espaço de tempo,
lecionei para servidores das prefeituras de Teófilo Otoni e Salinas, abordando
temas relativos à proteção jurídico-política de grupos vulneráveis. Foi, pelos
mais diversos motivos, meu “batismo de sangue”. A experiência – e a
interlocução, duradoura, com o Instituto DH, que dela decorreu – foi
fundamental, antes de mais, para que eu confirmasse uma suspeita que já me
acompanhava desde a infância: a de que, na contemporaneidade, a afirmação dos
Direitos Humanos (em uma pletora de documentos normativos, de âmbito nacional e
internacional) contrasta com a precariedade de instrumentos que temos
disponíveis, hoje, para consolidar e efetivar as mais básicas garantias da
pessoa humana. Advindos de regiões com índice de desenvolvimento humano
substancialmente baixo, meus alunos, no curso de formação, descortinaram para
mim o abismo entre os estatutos jurídicos que eu lhes apresentava e a realidade
que, diariamente, tinham que enfrentar.
Fui, no mestrado, bolsista FAPEMIG, e, no doutorado,
bolsista CAPES Reuni. Encontrei-me, assim, livre para me dedicar,
exclusivamente, à Universidade. Dessa maneira, ao longo da pós-graduação,
atuei, em quase todos os semestres, como estagiário de docência, com os mais
diversos professores da Vetusta. No curso de Direito, estagiei nas disciplinas
de História do Direito, Psicologia Jurídica e Filosofia do Direito (nas três,
sob supervisão da professora Karine Salgado). Ademais, tanto no mestrado quanto
no doutorado, atuei em disciplinas do curso de Ciências do Estado. Por três
semestres, estagiei em História do Estado, coordenando os seminários de
discussão. Também fui estagiário nas disciplinas de Empresa estatal, Parcerias
Público-Privadas e Organizações transnacionais. Junto ao curso de Relações
Econômicas Internacionais (na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG), atuei
na disciplina de Introdução ao Direito. Tanto o curso de Ciências do Estado
quanto o de Relações Econômicas Internacionais originaram-se do projeto de
reestruturação e expansão das universidades federais proposto pelo governo.
Dessa forma, esposam estratégias de ensino-aprendizagem alternativas, buscando
maior participação do aluno. A possibilidade de lecionar nos dois cursos
revelou-se inspiradora, permitindo-me experimentar metodologias diferentes. Em
2014, propus ao professor José Luiz Horta a abertura de disciplina optativa
relacionada à temática de minha dissertação (já defendida, naquele momento).
Ofertada junto ao curso de Ciências do Estado, “Raízes do Estado moderno: o
debate do século XIX” foi excelente oportunidade para que eu pudesse revisitar
autores que propuseram genealogias (com frequência conflitantes) do pensamento
político hodierno (Tocqueville, Burckhardt, Nietzsche etc.). Devo destacar,
ainda, minha participação, como tutor, no projeto “Horizontes de Direito e
Legislação”, coordenado por Horta e pela professora Karine Salgado. Iniciativa
pioneira, com a finalidade de transformar a disciplina de Direito e Legislação
(ministrada a alunos de Engenharia) em um curso online, o projeto iniciou-me no
âmbito da educação à distância. Embora a proposta tenha sido suspensa – e o
curso tenha voltado a ser presencial –, teve como fruto a redação de um manual,
hoje no prelo, do qual sou coorganizador, junto com os autores do projeto.
Selecionado em processo seletivo para professor substituto
do DIT, ministrei, no primeiro semestre de 2015, as disciplinas de Introdução
ao Direito (uma vez mais, no curso de Relações Econômicas Internacionais),
Instituições de Direito do Trabalho (no curso de Administração) e Direito e
Legislação (para três turmas de Engenharia). Assumindo integralmente (quer
dizer, sem a supervisão de outro professor) a condução das matérias, pude também
incorrer em mais ousadias, adotando novos instrumentos de educação
participativa, como a discussão de casos e de problemas.
Findo o meu contrato, fui convidado, pelo professor Arnaldo
Afonso Barbosa (então chefe do DIT), a regressar às salas de aula, como
voluntário, para ministrar a disciplina de Instituições de Direito Romano. O
desafio de lecionar uma matéria que desperta, via de regra, pouco interesse nos
alunos forçou-me, uma vez mais, a experimentar estratégias de educação
participativa. No primeiro semestre de 2016, agora a pedido do professor
Ricardo Salgado (atual chefe do DIT), atuei, uma vez mais, como voluntário, nas
disciplinas de Introdução ao Direito (pela terceira vez retornava ao curso de
Relações Econômicas Internacionais, novamente de forma inspiradora) e de Teoria
Geral do Direito. Esforcei-me, nessas funções, para superar o que muitos alunos
sentem como um distanciamento considerável entre as disciplinas zetéticas (jusfilosóficas,
críticas) e as disciplinas dogmáticas. Para despertar a atenção das classes,
busquei, a todo momento, mostrar como discussões nas sendas da Filosofia do
Direito incidem sobre a práxis forense e o cotidiano dos “operadores do
Direito”.
Destaco que, nesse período de magistério, participei de
várias bancas de trabalho de conclusão de curso, e co-coordenei, ao lado da
professora Karine Salgado, um grupo de estudos – o Grupo de Estudos em
Filosofia do Direito e do Estado na Primeira Modernidade (GEFDEM). Durante o
pós-doutorado, fui convidado a participar de bancas de qualificação (em sede de
mestrado), bancas de defesa de dissertação e de defesa de tese.
10. Horizontes futuros
Minha tese foi aceita para a publicação pela Editora Loyola,
com lançamento previsto para o ano de 2018. Minha dissertação, igualmente, foi
aceita para publicação, pela Editora Alameda, e também será lançada no corrente
ano. Ademais, dentre as pesquisas que desenvolvi ao longo da pós-graduação,
ainda há diversos artigos a serem publicados (muitos já se encontram sob
avaliação, em periódicos conceituados). Encontra-se no prelo, a ser publicado
pela Editora UFMG, livro, organizado pela professora Karine Salgado e pelo
professor Arno Dal Ri Jr., com capítulo de minha lavra, em coautoria com a
professora Karine Salgado, bem como texto, do professor Gonçal Mayos Solsona,
por nós traduzido. Atualmente, concluo, ainda, uma série de trabalhos sobre o
potencial crítico das utopias da Modernidade Clássica em dimensões específicas
do pensamento jurídico (Direito Constitucional, Direito Internacional Público
etc.). Também estou pleiteando financiamento para projeto, intitulado
‘Filosofia do Estado e utopias históricas no Brasil: comunidades alternativas
como laboratórios de experimentalismo institucional’, que pretende mapear
práticas de democracia participativa e mediação de conflitos em comunidades
intencionais (como ecovilas e comunidades sustentáveis) espalhadas pelo país.
Entendo que não é possível romper com o juspositivismo sem
desafiar, igualmente, as matrizes pedagógicas encampadas pelo ensino jurídico
tradicional. A lecture serve a uma
concepção da Ciência do Direito enquanto exegese legal, mas oferece poucos
espaços de desenvolvimento para um pensamento jurídico crítico. Em minha
atividade docente, procuro resgatar o protagonismo do estudante, para que ele
se veja enquanto sujeito responsivo e responsável na construção do seu próprio conhecimento.
Desmantelar um paradigma transmissivo e conducionista da educação é condição sine qua non para que convertamos as
faculdades de Direito em espaços, não de replicação da norma posta, mas de
propositura de novas modelagens institucionais, de criatividade e utopismo.
Minhas incursões nas veredas do ensino, da pesquisa e da
extensão podem ser vistas, no frigir dos ovos, como tentativas de desnaturalizar o Estado e o Direito
modernos, lançar, sobre eles, um olhar de estranheza (de espanto, thaumazein). O juspositivismo flerta,
sempre, com o fetichismo institucional, a representação do ordenamento jurídico
como um dado imutável. Enquanto professor, entendo que meu maior compromisso é
estimular os alunos e a comunidade a atentarem para as contrapossibilidades utópicas do sistema jurídico, sua
plasticidade. Historicizar o
pensamento político-jurídico moderno (interpretá-lo, não como uma condensação
de verdades universais, mas como o ponto de chegada de um projeto
civilizacional determinado) permite que nos sensibilizemos para alternativas
que melhor espelhem nossas esperanças e sonhos. É preciso – na esteira dos Critical Legal Studies, mas para além
deles – resgatar a compreensão do jurídico enquanto obra aberta, que se oferece
ao trabalho colaborativo da comunidade. Em uma sociedade democrática, compete
ao jurista, antes de mais, assessorar os cidadãos na edificação de arranjos
institucionais que garantam, sempre, a realização da plenitude de nossas
potencialidades.
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