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SOBRE O COORDENADOR DO GRUPO

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Sou, desde o segundo semestre de 2018, professor de Filosofia do Direito na Faculdade Nacional de Direito – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desenvolvo pesquisas sobre o pensamento jurídico crítico (em especial os Critical Legal Studies e a Critical Race Theory), sobre a história da Filosofia do Direito no Brasil e na América Latina (Edgar da Mata Machado, Henrique Cláudio de Lima Vaz, Roberto Mangabeira Unger etc.) e sobre o desenvolvimento do Estado moderno/contemporâneo (a secularização, o desenvolvimento dos conceitos de ‘soberania’ e de ‘razão de Estado’, a passagem do pluralismo ao monismo jurídico, o colonialismo, a bio/necropolítica...).

Eis o link da minha página no Academia.edu, com boa parte das minhas publicações: Academia.edu

Abaixo, o memorial que defendi quando do meu ingresso na UFRJ, explicando um pouco sobre a minha trajetória:






memorial
Direito e estado entre tradição e subversão
(Atividade acadêmica, exposição analítica e
Crítica da produção científica)








Philippe Oliveira de Almeida
Belo Horizonte – Minas Gerais
Janeiro de 2018


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE DIREITO




PHILIPPE OLIVEIRA DE ALMEIDA



Memorial
Direito e Estado entre tradição e subversão



Memorial submetido como parte dos requisitos da inscrição no concurso público de provas e títulos para provimento efetivo de vaga da carreira de magistério superior na Classe A, com a denominação de Professor Adjunto A, Nível 1, lotado na Universidade Federal Do Rio de Janeiro e destinado ao Departamento de Teoria do Direito – vaga para Filosofia do Direito (Edital nº. 860/2017)  





“Onde estão os sonhos nas grades curriculares?”
Rubem Alves, A pedagogia dos caracóis



Memorial – Direito e estado entre tradição e subversão

Sumário: 1. Palavras iniciais. 2. Um breve autorretrato (COLTEC e RBEP). 3. Bacharelado em Filosofia e em Direito. 4. Trabalhos de Conclusão de Curso (Lima Vaz e Mata Machado). 5. Dissertação (Raízes medievais do Estado moderno). 6. Tese (Crítica da razão antiutópica). 7. Pós-doutorado (Diplomacia e guerra nas utopias do Antigo Regime). 8 Movimento estudantil e atividades de representação acadêmica. 9. Magistério. 10. Horizontes futuros.


1. Palavras iniciais

Preliminarmente, peço licença ao leitor para valer-me, nas próximas páginas, da primeira pessoa do singular. No universo acadêmico, o plural majestático é a regra (na linguagem escrita e, mesmo, na linguagem oral). No presente (con)texto, porém, poderia incutir no leitor uma falsa sensação de objetividade ou de neutralidade. Um Memorial pressupõe, evidentemente, a rememoração de experiências pessoais. À diferença de um artigo científico, arrima-se, não no sujeito transcendental da theoria (o “nós” da comunidade de pesquisadores), mas no sujeito empírico da práxis (o “eu”, em sua labilidade e em sua contingência). Com o raiar da Modernidade, passou-se a acreditar que, para que atinjamos o conhecimento sistematizado – filosófico, científico ou técnico –, devemos “pôr entre parênteses” nossas vivências subjetivas. Nos laboratórios e nos gabinetes, nos despimos de nossas esperanças e angústias, nossos valores e hábitos, metamorfoseando-nos em Razão Pura. A redação de um Memorial implica o “regresso do recalcado”: o “eu” assume seu lugar de direito, fazendo com que as etapas da evolução de um intelectual – cada titulação, cada escrito… – voltem a ser vistas, não como o desenvolvimento inexorável do Sistema de um Autor, mas como escolhas fortuitas, marcadas pelo acaso, erros e acertos de um indivíduo concreto. O Memorial restitui à biografia (a vida privada e íntima do pesquisador) a parte que lhe cabe na narrativa sobre a feitura da obra teórica.
Substituir o “nós” pelo “eu” não significa, todavia, ignorar a natureza eminentemente colaborativa do labor acadêmico. Não reconheço apenas a mim mesmo nos empreendimentos que desenvolvi e desenvolvo (e que descreverei, de forma suscinta, no correr deste Memorial); meus amigos e familiares, bem como meus professores, colegas e alunos, imprimiram, todos, marcas indeléveis em meu/nosso trabalho. “Eu sou eu e minhas circunstâncias” (Ortega y Gasset): a filosofia contemporânea sepultou, de há muito, a crença cartesiana em um self monádico, insular e autorreferencial. A subjetividade é construída por uma rede de relações. Assim, nenhum produto intelectual ou artístico traduz – apenas – as incongruências de seu criador; é o reflexo de uma região e de um momento, de um grupo indefinido de pessoas, de um Zeitgeist. Compete a mim solicitar ao leitor que também considere essas “energias sociais anônimas”, todas as vezes em que eu recorrer à primeira pessoa do singular.
Este Memorial apresenta, de forma discursiva e circunstanciada, uma análise crítica sucinta das atividades acadêmicas que realizei, em minha formação e em minha atuação profissional. Como Nelson Rodrigues disse, certa feita: “toda autocrítica tem a imodéstia de um necrológio redigido pelo próprio defunto”. Não é, contudo, minha pretensão tecer, aqui, meu elogio fúnebre: se avalio os frutos de meus esforços pretéritos, é com o fito de preparar minhas perspectivas futuras de estudo e pesquisa, os projetos que anseio desenvolver nos próximos anos de minha vida docente. É por esse motivo que, findo o grupo de seções destinadas à apreciação de episódios relevantes da minha carreira, concebi um tópico prospectivo, que procura delinear metas de curto e médio prazos. Salientar a importância das contribuições que já dei à minha área de atuação só se justifica na medida em que tais feitos possam repercutir sobre minhas potenciais realizações vindouras. Não quero me vangloriar por conquistas passadas, mas descortinar horizontes nos quais minha intervenção pode vir a ter impacto.“Toda árvore é reconhecida por seus frutos. Ninguém colhe figos de espinheiros, nemuvas de ervas daninhas” [Lucas 6:44].
Entretanto, antes de iniciar a descrição de meu itinerário formativo, preciso delimitar meu “lugar de fala”. Não sendo possível (ou desejável) extirpar do discurso os juízos de valor, a postura mais honesta a se adotar em face dos interlocutores envolve explicitar nossos pontos de partida, as fileiras junto às quais nos alistamos nos embates da História. Ofereço ao leitor, pois, um esboço de autorretrato. Uma ressalva: como a psicanálise já demonstrou, a consciência não é transparente a si mesma. Nossas próprias ações podem nos parecer obscuras ou confusas; quando, retroativamente, examinamos nossa conduta, atribuímos a ela sentidos extemporâneos. A reflexão (o Espírito se flexionando sobre seu próprio ser) configura, via de regra, um processo de ressignificação: todos os dias, testamos formas novas – e não raro incompatíveis – de compreendermos a nós mesmos, quer dizer, de descrevermos nossa posição no mundo. Com essas observações, alerto para o fato de que qualquer representação de mim mesmo que venha a elaborar será sempre, necessariamente, apenas uma hermenêutica possível, entre outras. Caso amanhã me aventure, uma vez mais, a traçar um autorretrato, utilizarei, por certo, tintas diferentes.

2. Um breve autorretrato (COLTEC e RBEP)

Sou negro, homossexual e pobre, nascido e criado na periferia da periferia de Belo Horizonte (Bairro Jardim dos Comerciários, em Venda Nova). Filho de uma técnica em enfermagem com um eletricista. Minha rua é o limite entre a capital de Minas Gerais e o município, paupérrimo, de Vespasiano, no qual se situa a instituição onde completei meu ensino fundamental, a Escola Estadual Antenor Pessoa (lugar hoje familiar às páginas policiais dos jornais mineiros). Desde a infância, enfrentei o preconceito, a discriminação e a violência. Por isso, jamais me deixei seduzir pela retórica, liberal, segundo a qual estaríamos às portas de uma era inclusiva e multicultural – um capitalismo com face humana. O Estado Democrático de Direito, que se instaura no Brasil com a Nova República, tem suas próprias estratégias, insidiosas, de exclusão e opressão (sendo a brutalidade policial apenas a mais explícita delas). Parcela substancial das teorias do Direito contemporâneas constituem-se em construções caucionárias, incumbidas de justificar a ordem vigente – que, em sua coerência e integridade, formaria um sistema racional, livre de antinomias ou lacunas. Minha trajetória pessoal tornou-me imune aos encantos de tais empreitadas de legitimação. Diante das tribulações, aprendi a refugiar-me nos livros (quando criança, li três coleções de enciclopédias: Barsa, Larousse Cultural e Abril), e cedo descobri a filosofia. Exercício de interrogação radical, a especulação filosófica parecia o caminho natural a um jovem que se sentia “deslocado”, inadaptado à realidade circundante. No começo, acerquei-me de pensadores críticos, voltados ao desmascaro do ímpeto autocrático subjacente aos projetos modernos de “emancipação” e “esclarecimento”. Durante toda a minha adolescência, estudei, obsessivamente, os textos de Foucault, identificando-me a suas tentativas de “expor as manchas de sangue nos códigos”, a barbárie subjacente ao humanismo ocidental. Só o ingresso na Universidade Federal de Minas Gerais viria a ampliar meu repertório de leituras.
Com sacrifício titânico, consegui, aos quatorze anos, ser aprovado no processo seletivo para o ingresso no Colégio Técnico da UFMG (COLTEC), que eu via, fundamentalmente, como um recurso para escapar ao bullying que sofria na escola do meu bairro – mais tarde, vim a saber que foi com o mesmo objetivo que Richard Rorty antecipou em vários anos sua saída do ginásio e sua entrada na universidade. A oportunidade de, ainda impúbere, frequentar o campus foi central à minha instrução. Transformei-me em frequentador assíduo do Cine-Clube da UFMG, coordenado pelo professor Heitor Capuzzo, que exibia mostras de filmes na Escola de Belas Artes. Ademais, passava tardes inteiras nas bibliotecas da Faculdade de Letras (FALE) e da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH). Vez por outra, escolhia aleatoriamente uma sessão de defesa de dissertação ou tese, para assistir a acadêmicos esgrimindo-se. Flanar pelas diferentes unidades do campus garantiu-me uma bagagem cultural que eu nunca teria adquirido, na zona humilde em que resido.
Quase todos os professores do COLTEC são entusiastas do ensino participativo, e é neles, ainda hoje, que me espelho, na luta contra a “educação bancária” e a “colonização epistêmica”. Todavia, trata-se de um colégio técnico, que enfatiza as “ciências duras”, disponibilizando pouco espaço às Humanidades. Por essa razão, eu frequentemente cabulava aulas, me demorando pelos corredores, a ler Foucault. Diante dessa situação, uma professora – Gisele Brandão Machado de Oliveira – me exortou a participar do projeto de iniciação científica júnior por ela capitaneado, o Programa de Vocação Científica (PROVOC). Estimulando a interlocução entre estudantes de ensino médio e pesquisadores, o PROVOC estendia seus tentáculos sobre as mais diversas áreas do saber. Após um teste vocacional, fui selecionado para atuar, como bolsista, na Faculdade de Direito da UFMG, junto à equipe do professor José Luiz Borges Horta. À época, Horta era diretor da Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP), e liderava uma pesquisa intitulada “Potestas Scientiae, Scientia Potestae: uma investigação do alcance e do impacto da Revista Brasileira de Estudos Políticos”. Incluído, aos dezesseis anos, nos trabalhos do grupo (voltados ao resgate do legado de Orlando Magalhães Carvalho), pude visitar, semanalmente, a RBEP, onde conheci diversos alunos e professores da Vetusta Casa de Afonso Pena. Nesse período, Horta incentivou-me a estudar outros filósofos além dos “pós-modernos” – tive, então, meu primeiro contato com Kant e Hegel. Ao cabo de um ano, apresentei, na XIV Semana de Iniciação Científica da UFMG, um pôster sobre o pesquisa que desenvolvera, análise das influências da redemocratização brasileira nos artigos publicados pela RBEP. Eu, que até aquele momento não sonhava em cursar ensino superior, me dispunha a prestar vestibular para Direito e Filosofia. Antes mesmo de chegar à idade adulta, já me decidia a tornar-me um filósofo do Direito.

3. Bacharelado em Filosofia e em Direito

Em 2006, fui aprovado no curso de Direito da UFMG (noturno) e no curso de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE (matutino). Optei por cursá-los simultaneamente, com o apoio de minha família, que muito labutou para que eu pudesse adiar – em muitos anos – meu ingresso no mercado de trabalho, e dedicar-me exclusivamente aos estudos. Abordarei, em breves linhas, minhas experiências nos bacharelados de Filosofia e de Direito, que pavimentaram o caminho para as pesquisas que desenvolvi em sede de pós-graduação.
O curso de Filosofia da FAJE (no qual ingressdi como bolsista) propicia uma sólida formação histórica e sistemática, com ênfase nos “clássicos”. Ajudou-me a pôr de lado meus preconceitos no que toca à “logocêntrica” herança das filosofias antiga, medieval e moderna – também elas, e não apenas o discurso pós-moderno, apresentam potencialidades críticas e subversivas. Essa constatação não me impede de enxergar, em paradigmas de racionalidade universalizantes e formalistas, instrumentos imperialistas – vale lembrar que, por um semestre, atuei como monitor voluntário da disciplina de Lógica, e, mesmo nas mais abstratas elucubrações da Lógica Matemática, insistia em encontrar impasses ideológicos. Desde o primeiro ano de graduação, frequentei, informalmente, a reuniões do grupo de estudos em Ética contemporânea coordenado pelo professor Francisco Javier Herrero Botín. Tais encontros, centrados em debates sobre Ética do Discurso, consolidaram minhas suspeitas quanto aos sistemas doutrinais de Apel e Habermas (que vejo, basicamente, como tentativas de validação ideológica de intervenções humanitárias em um contexto de globalização).
Em 2007, participei da primeira leva de membros do Grupo de Estudos de Ética Vaziana, fundado pelo professor Delmar Cardoso (o grupo continua, hoje, em atividade, agora sob coordenação da professora Cláudia Maria Rocha de Oliveira). Dedicado ao resgate da obra de Henrique Cláudio de Lima Vaz, o projeto sensibilizou-me para o problema da construção de um filosofar autenticamente brasileiro, que, sem perder o rigor metodológico, seja capaz de fazer frente aos grandes dilemas nacionais. Essa perspectiva foi determinante para o percurso que, desde então, trilhei, como atestam as pesquisas monográficas que desenvolvi ao final de meus bacharelados (elas são apreciadas com mais vagar, adiante).
O curso de Direito da UFMG (o ensino jurídico pátrio, em seu conjunto) era, quando de meu ingresso (e segue sendo, em alguma medida), excessivamente centrado em aulas expositivas, lectures. A Dogmática Jurídica entende que as atribuições do professor de Direito se reduzem à exegese de textos legais. Embora algumas das principais colunas de resistência ao juspositivismo estejam radicadas nas Minas Gerais, é notória a prevalência, ainda hoje, de visões normativistas. Ora, desde o início da graduação bati-me (acostumado que estava, egresso do COLTEC, a metodologias alternativas de ensino-aprendizagem) contra semelhante espírito: ousei, inclusive, redigir alguns panfletos denunciando a indiferença, da parte de muitos professores, com relação às questões éticas, sociais e políticas atreladas à atividade forense. Destaco os textos “Já fomos alfabetizados…” (em coautoria com Adam Vieira Santos) e “Os dilemas do ensino jurídico na modernidade tardia”, ambos publicados, em 2010, nas páginas do Voz Acadêmica, periódico oficial do Centro Acadêmico Afonso Pena. Para ultrapassar o abismo que via entre o Direito ensinado e o Direito vivido (law in books e law in action), inscrevi-me como jurado no I Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte (exercendo o múnus no mês de agosto de 2010), e estagiei em diversas instituições diferentes: a Procuradoria da UFMG, em seu setor de atendimento ao Hospital das Clínicas; a Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais; a 7ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte; o escritório Junqueira & Ferraz Advogados; e o Núcleo de Assessoramento Jurídico da Advocacia Geral da União. Não faria o menor sentido, aqui, detalhar as atividades que desempenhei, em ditos estágios. Basta sublinhar que, em todos, optei por enveredar-me nas sendas do Direito Administrativo, com o fito de avizinhar-me de questões concernentes ao cotidiano do Poder Público. Uma síntese das considerações que, então, formulei a propósito da disciplina podem ser encontradas no artigo ‘Autonomia universitária, fundações de apoio e Tribunal de Contas da União’, publicado, em co-autoria com Yuri Luna Dias, na Revista Brasileira de Direito Constitucional Aplicado. Situado – tal qual o Direito Constitucional – no limiar entre o político e o jurídico, o Direito Administrativo parecia-me um meio para compreender a tensão entre o poder e a norma. Dedicadas a estudar a monopolização do Direito (da atribuição de solucionar lides e crias regras) pelo Estado moderno, minha dissertação e minha tese não teriam sido possíveis sem referidas vivências.

4. Trabalhos de Conclusão de Curso (Lima Vaz e Mata Machado)

Há conexões profundas entre os dois trabalhos de conclusão de curso que realizei, motivo pelo qual decidi analisá-los conjuntamente. Conforme já salientei, a participação no Grupo de Estudos de Ética Vaziana despertou minha atenção para o tema da (in)existência de um pensar filosófico nacional. Filosofia do Brasil ou filosofia no Brasil? Há filosofia(s), de fato, brasileira(s)? A discussão remonta a priscas eras, incitada por obras como o clássico Um departamento francês de Ultramar, de Paulo Eduardo Arantes, bem como pelos polêmicos papers de meu querido professor Paulo Margutti, à semelhança de “Sobre a nossa tradição exegética e a necessidade de uma reavaliação do ensino de filosofia no país”. Muitos autores – caso de Arantes e Margutti – sugerem que o esmero filológico das universidades brasileiras vem obstaculizando o florescer de sistemas filosóficos originais. Minhas monografias, na Filosofia e no Direito, podem ser interpretadas como (modestas) contribuições a esse debate. Investigando a obra de dois teóricos mineiros – Lima Vaz e Edgar de Godói da Mata Machado – procurei mostrar como, revisitando filósofos europeus, a intelectualidade nacional foi capaz de conceber doutrinas próprias, em estreito diálogo com desafios tipicamente latino-americanos.
Nos dois textos, busco – condensando aflições que me acompanhavam desde o ensino médio – apresentar sistemas filosóficos que põem em xeque um modelo unilateral, massificador e homogeneizante de modernização. Muitos intelectuais e estadistas visaram, em seus respectivos países, implementar planos kemalistas de industrialização a fórceps, identificando, no Ocidente moderno, um paradigma absoluto de desenvolvimento civilizacional. Terminaram, desse modo, por – em regiões da América Latina, da África e da Ásia – soterrar valores e costumes tradicionais, emulados em honra à razão instrumental. Embora partam de fontes eminentemente europeias, Lima Vaz e Mata Machado conseguiram problematizar as pretensões de universalidade da tecnociência moderna, denunciando seu impulso totalitário. O resgate dos trabalhos de um e de outro – destacando a contribuição de ambos para a sedimentação de um filosofar nacional – é imprescindível a uma leitura lúcida da história das idéias no Brasil.
Ao final de minha graduação em Filosofia, sob orientação do Padre João Augusto Anchieta Amazonas Mac Dowell, apresentei, na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, minha monografia, batizada de “A doutrina tomista do juízo em Lima Vaz” (em 2011, ela viria a ser publicada na íntegra, nas páginas do periódico Pensar – Revista Eletrônica da FAJE). Nela, demonstro como, recepcionando categorizações de Étienne Gilson e Joseph Maréchal, Lima Vaz erige uma nova epistemologia, apta a, simultaneamente, servir de sustentáculo a uma remoçada Metafísica e responder às críticas kantianas à ontologia tradicional. Inspirado em Tomás de Aquino e na tradição tomista, Lima Vaz procura, contra as abordagens relativistas (não-fundacionistas) contemporâneas, atualizar o “realismo crítico” característico das filosofias da Antiguidade e do Medievo.
Há bibliografia, em contínua expansão, a propósito do pensamento limavaziano. A maioria dos estudiosos, contudo, tende a superestimar o papel de Hegel (e do Idealismo Alemão como um todo) sobre a obra do filósofo mineiro. Leituras similares evidenciam distorções na compreensão que temos, ainda hoje, a respeito da recepção que a filosofia medieval e a moderna filosofia alemã tiveram em nossas plagas. Na esteira de meu trabalho de conclusão de curso, tratei de, em investigações subsequentes, retificar tais entendimentos, realçando o locus da Escolástica na formação de Lima Vaz (e de toda uma geração de intelectuais brasileiros). Nos quatro Colóquios Vazianos de que – entre 2008 e 2016 – pude participar apresentando trabalhos, procurei, reiteradamente, frisar os elos entre os escritos do Aquinate e a doutrina do filósofo jesuíta. Uma condensação dessas intervenções pode ser encontrada em dois artigos de minha autoria: “Lima Vaz: hegeliano ou tomista?”, capítulo do livro Os aportes do itinerário intelectual de Kant a Hegel, organizado pelos professores Héctor Ferreiro, Thomas Sören Hoffmann e Agemir Bavaresco; e “De Hegel a Tomás de Aquino: Lima Vaz e o Tomismo Transcendental”, capítulo do livro Hegel, organizado pelos professores Marcelo Carvalho, Ricardo Tassinari e José Pertille. Ainda no campo das minhas reflexões sobre a filosofia transcendental e o Idealismo Alemão, publiquei, em 2016, juntamente com a professora Karine Salgado, artigo intitulado ‘Kant entre republicanismo e liberalismo’ – em livro, organizado por ela e pelo professor José Luiz Borges Horta, com o nome ‘Razão e poder: (re)leituras do político na filosofia moderna’.
Em 2009 (dois anos antes do encerramento de minha graduação em Direito), procurei o professor Arthur José Almeida Diniz, para que me orientasse em meu trabalho de conclusão de curso, sobre Mata Machado. Finalizado apenas em 2011, o texto recebeu o título de “A doutrina tomista do debitum em Mata Machado”. Nesse ensaio monográfico, busco, inicialmente, evidenciar a influência do filósofo Jacques Maritain e do escritor Georges Bernanos sobre o trabalho do pensador mineiro. Em sequência, mostro como Mata Machado articula elementos tomados de um e outro para revitalizar a doutrina tomista do debitum, isto é, do Direito como coisa-devida. Findo o Pós-Guerra, inúmeros filósofos católicos (como Mata Machado) atribuirão ao humanismo ateu a responsabilidade pela difusão do nazifascismo. A “neutralidade axiológica” almejada pela tecnociência moderna – resultado de uma radical separação entre razão e fé, ser e dever ser – pavimentaria o caminho para que o espaço público fosse colonizado pelas mais insensatas ideologias. No mundo do Direito, o juspositivismo seria a materialização desse fenômeno, instituindo uma clivagem entre princípios éticos e normas jurídicas. Não serão raros, assim, os pensadores que – à semelhança de Maritain, Michel Villey, Alceu de Amoroso Lima, André Franco Montoro etc. – se dedicarão a reconstruir o humanismo cristão, de sorte a edificar diques contra novas incursões despóticas. É nesse cenário que devemos situar o personalismo de Mata Machado.
Embora eu jamais tenha publicado minha monografia sobre Mata Machado (que, de resto, se encontra disponibilizada na internet), adaptei o argumento central para um texto mais sintético, chamado “A ‘filosofia cristã’ contra o autoritarismo: o Estado Novo e o Regime Militar na obra de Mata Machado”. O artigo foi publicado em dossiê, a respeito do Golpe de 1964, publicado em edição da Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Trata-se de uma das poucas investigações disponíveis em português que abordam a presença de Bernanos no Brasil – e a única, até onde sei, que aprofunda a pesquisa a respeito do impacto de Bernanos sobre Mata Machado e outros pensadores mineiros. Ademais, vale observar que a maioria dos escritos relacionados a Mata Machado é apologética e superficial, não se detendo em sondar os aspectos inovadores de sua doutrina. Para além dos encômios – merecidos – à memória de Mata Machado, meu estudo se propõe a reconstruir seu sistema teórico de modo a revalorizar seu pensamento.
As duas grandes guerras mundiais singularizam-se, dentre outras coisas, pelo uso da tecnociência no fortalecimento da produção bélica – a bomba atômica é a expressão acabada desse fenômeno. A situação despertou, junto a diversos artistas e intelectuais, brutal desencanto face à razão moderna. Nas décadas subsequentes, incontáveis acadêmicos se esmerarão em rastrear formas alternativas de racionalidade, para além do logos apodítico pós-renascentista. O resgate do mito e da religião, na Modernidade Tardia, muito deve a essa conjuntura. O renascimento do jusnaturalismo, em fins da década de 1940, é sintoma dessa nova orientação. Por um breve período – determinante, por exemplo, para a redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 –, acreditou-se possível o regresso às concepções antiga e medieval de Direito Natural (donde a popularidade de autores como Maritain, Villey, Leo Straus, Eric Voegelin etc.). O jusnaturalismo de linhagem (neo)tomista, em específico, alcançará, em virtude da Doutrina Social da Igreja, enorme aceitação, mormente na Latinoamérica. Embora matriciais à constituição das bases do que veio a tornar-se o Estado Democrático de Direito, esses teorias acabaram caindo no olvido, substituídas por correntes “pós-positivistas” propriamente ditas. Lima Vaz e Mata Machado são exemplares perfeitos dessa perspectiva. É por isso que, tomando-os (juntamente com Voegelin e Maritain) como referência, tenho buscado, em inúmeros trabalhos, sublinhar a importância histórica do jusnaturalismo redivivo para a consolidação do sistema normativo imperante (sem, no entanto, filiar-me a qualquer corrente de Direito Natural, consciente de que semelhante caminho, nos dias que correm, resta concluído, já tendo cumprido seu papel). Nessa direção caminha a palestra que proferi no I Simpósio Internacional de Filosofia da Dignidade Humana, bem como o paper que produzi, no início do ano, para o I Encontro de Pós-Graduação em Filosofia da UFMG – publicado, na Revista Outramargem, com o título “Filosofia como crítica das ideologias: o totalitarismo no embate entre Voegelin e Kelsen”. Sumarizei tais ponderações no artigo “Neotomismo: alternativa ao drama do humanismo ateu?”, que compõe capítulo dos anais do Simpósio Internacional Filosófico-Teológico – FAJE (2014). Ainda no seio das discussões a propósito do Direito Natural e o impacto da filosofia medieval sobre o pensamento moderno, publiquei, na revista Theoria (Pouso Alegre), o paper ‘A historiografia da filosofia medieval, a forma teocrática de governo e o humanismo do século XIII: considerações a partir de Walter Ullmann’, e, na revista Opinião Filosófica, o texto ‘As leis no declínio do Império: Agostinho acerca do Direito Romano’.



5. Dissertação (Raízes medievais do Estado moderno)

Fator comum às reflexões dos autores que, desde a graduação, tenho estudado (Lima Vaz, Mata Machado, Maritain, Villey etc.), é o objetivo de elaborar uma análise genético-sintomática da Modernidade. Como o Barão de Münchhausen, o pensamento moderno pretende erguer-se no ar puxando-se por seus próprios cabelos. É autolegitimador e autopoiético, motivo pelo qual se desconectaria de qualquer tradição precedente, sustentando-se a si mesmo. Aqui se assentam suas ambições universalistas: em virtude de seu desenraizamento, os padrões modernos poderiam ser transplantados, com sucesso, para qualquer território e cultura do planeta. É esse o cerne do debate entre Karl Löwith e Hans Blumenberg, em torno do conceito de secularização. A meta de Lima Vaz, Mata Machado e dos demais pensadores aventados é, precisamente, desconstruir a auto-representação do homem moderno, expondo sua pudenda origo, suas “origens vergonhosas”. Longe de representar uma força trans-histórica, uma invariante antropológica (advinda de um céu platônico), a razão moderna tem uma gênese, é a resultante de uma sucessão de acidentes, uma “comédia de erros”. Não é ruptura face às sociedades tradicionais, mas filha dileta da tradição ocidental, tendo sua validade circunscrita, pois, às fronteiras culturais da sociedade que lhe deu origem. Toda modernização é, em última instância, ocidentalização, tentativa de impor a outras civilizações horizonte de sentido próprio de um povo temporal e espacialmente identificável. Esses filósofos revelam como a tecnociência – que crê gerar-se a si mesma, dinâmica automotriz – é produto de escolhas contingentes assumidas no correr da Cristandade medieval (devendo, assim, aprender a conviver com outras cosmovisões igualmente legítimas).
Quando decidi, em 2011, submeter projeto de dissertação ao processo seletivo do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG, pretendia oferecer meu contributo à análise genético-sintomática da Modernidade, a que me referi acima. No encalço dos filósofos por mim trabalhados, queria demonstrar como dimensões da mentalidade moderna tomadas por universalizáveis encontravam-se, na verdade, adstritas à história da Europa. Não eram expressão de uma lógica inexorável, mas solução circunstancial, criada pelas crenças, pelos mitos e ritos, pelo imaginário de um período. Optei por me limitar a um item específico, o debate concernente à natureza das instituições estatais. A Teoria do Estado, no mais das vezes, projeta, sobre qualquer tempo e lugar, as mesmas características de centralização, burocratização e racionalização que encontramos no Poder Público moderno. Para a maioria de nós, hoje, é quase inconcebível a existência de comunidades políticas destituídas de um aparelho autônomo de elaboração e aplicação de regras de conduta (“sociedades contra o Estado”, para falar como Pierre Clastres). Acompanhando Paolo Grossi e outros membros da escola florentina de História do Direito (mas no interior de uma chave filosófica, e não historiográfica), procurei, em minha dissertação, descrever o momento epocal de surgimento do Estado moderno, como instituição detentora do (valendo-nos do vocabulário weberiano) “monopólio do exercício legítimo da violência”. A ideia de que uma única esfera da vida social deve exercer, com exclusividade, os poderes legiferante e judicante é, na história da humanidade, a exceção, não a regra. Pretendi, em minha dissertação, provar como o conceito tardo-medieval de plenitudo potestatis – que fazia do papa a instância última de decisão, dirimidor geral de conflitos no seio da Cristandade – prenuncia a noção de “soberania”, constituindo etapa importante na transição, no Ocidente, entre o pluralismo jurídico feudo-vassálico e o monismo jurídico dos Estados nacionais.
Defendida em 2013 – com o título “Raízes medievais do Estado moderno: a contribuição da Reforma Gregoriana” –, minha dissertação, orientada pela professora Karine Salgado, é um estudo no âmbito da Filosofia do Estado. Tomando um episódio histórico delimitado como pano de fundo, propõe, ao fim e ao cabo, uma reflexão sobre o sentido do Estado soberano, em sua diferença específica face a outras instituições políticas (como a Igreja). Desse exame, derivaram diversas pesquisas paralelas, que resultaram em comunicações de trabalhos em congressos e em artigos publicados. Alguns exemplos, aqui, podem ser relevantes. Incontáveis são os procedimentos metodológicos (as grelhas analíticas) propostas, nas searas da filosofia e da historiografia, para retratar a passagem do Medievo à Modernidade. Revisitando algumas dessas abordagens, apresentamos, no I Congresso Internacional de Filosofia Jurídica e Política da UFU, o trabalho “Veritas, filia temporis: a Renascença medieval nas análises genealógicas de Foucault e Lima Vaz”. Desenvolvida, a comunicação deu origem ao artigo “A digestão e a reprodução do centauro: o a priori histórico em Foucault”, dedicada a explorar as estratégias de investigação empregadas pelo filósofo francês. Ainda nessa direção, defendemos, em “O navio afundado e o submarino – a memória do legado jurídico-político greco-romano na Igreja Medieval” (publicado nos anais da V Jornada Brasileira de Filosofia do Direito, de 2011), a aplicabilidade de categorias nietzschianas – como a de “memória da vontade” – no estudo da Renascença medieval. É esse o espírito, igualmente, que nos guiou na consecução do texto “Da Reforma Gregoriana à revolução que não sabia de si: para uma crítica arendtiana ao conceito de ‘Revolução Papal’” (publicado nos anais do Colóquio de História Medieval LEME/UFMG, 2013), que problematiza os esforços para enxergar, no rearranjo institucional que produziu a noção de plenitudo potestatis, um “processo revolucionário” (na acepção moderna da expressão).

6. Tese (Crítica da razão antiutópica)

Em sede de doutorado (sob orientação, uma vez mais, da professora Karine Salgado), propus-me a dar continuidade a minhas investigações sobre a transição entre o medieval e o moderno – e sobre os elementos caracterizadores do Estado soberano, que o diferenciam de outras modalidades de organização social surgidas na história. Meu foco, também aqui, estará nem tanto nos acontecimentos políticos quanto no imaginário político, na rede de símbolos que ampara o exercício do poder. Reverberando a autorreferencialidade típica do pensamento moderno, o Estado emerge na época do Renascimento como uma força imanente (ou autotranscendente), que não apela a fundamentos externos a si – a ordem do cosmos, a vontade de Deus etc. – para legitimar-se. Por isso, não seria limitado por nada além de si próprio – é o que Grossi define como “insularidade do príncipe”. Ora, como essa perspectiva, inconcebível antes do mundo moderno, forjou-se? Qual o papel da filosofia – e do humanismo renascentista, em específico – nesse processo, que pode ser descrito, em última análise, como “monopolização do Direito” (haja vista que o Poder Público suprime outras instâncias que, até então, tinham jurisdição, autoridade para “dizer o Direito”, como é o caso das corporações de ofício e dos tribunais eclesiásticos)? Busquei responder a essas questões a partir da análise de um objeto específico, qual seja, a literatura utópica do século XVI.
A filosofia política e a filosofia do Direito do Cinquecento apresentam inúmeras inovações, frente aos pensamentos antigo e medieval. É o tempo de Maquiavel e de Bodin, marcado por uma nova compreensão sobre as artes de governar. É nesse período que Morus cunha o termo ‘utopia’, e com ele inaugura um novo gênero literário. A maioria dos pesquisadores, no entanto, tende a ver no trabalho de Morus (e dos utopistas que acompanharam suas pegadas) uma excrescência medieval, deslocada em uma cena que assiste ao alvorecer do “realismo político”. Em uma abordagem francamente contra-hegemônica, procurei ressituar o utopismo em seu próprio tempo, identificando nele um desdobramento do pensamento jurídico-político da Primeira Modernidade. Os utopistas do século XVI (Morus, Rabelais, Doni, Campanella etc.) encontravam-se integrados ao debate humanista, interferindo, de forma ativa, no rearranjo institucional pelo qual passava a Europa de então. Suas obras, nesse sentido, podem nos ajudar a reconstituir os componentes centrais da cultura política quinhentista.
Em quê os romances utópicos do século XVI diferem das instituições imaginárias que lhes precedem (as lendas sobre Atlântida e sobre o País de Cocanha, o Paraíso Perdido e a Jerusalém Celeste etc.)? Essa questão pode auxiliar-nos na compreensão da clivagem entre as instituições políticas pré-modernas (como a pólis grega, a tribo germânica, o Império Romano etc.) e o Estado soberano que começa a se insinuar no período renascentista. Para enfrentar esses temas, recorri às categorias – desenvolvidas pelo movimento dos Critical Legal Studies e por Roberto Mangabeira Unger – de “fetichismo institucional” e “imaginação institucional”. Defendi que a utopia e o Estado irmanam-se (e se afastam da cosmovisão política precedente) por se constituírem em exercícios de experimentalismo institucional, tentativas conscientes e calculadas (exclusivamente modernas, pois) de reconstruir o espaço público sem apelar a marcos transcendentes. O Estado, como a utopia, é obra de arte (como Jacob Burckhardt já intuía), constructo assumidamente artificial, historicamente condicionado, viável apenas em uma era que abole o recurso a horizontes metafísicos. Pauta-se na fé, nutrida pelos humanistas da época do Renascimento, nos poderes demiúrgicos do homem, quer dizer, em suas ilimitadas potencialidades criativas. É esse, em linhas gerais, o escopo da tese que defendi, intitulada “Crítica da razão antiutópica: inovação institucional na aurora do Estado moderno”.
Qual o aporte desse estudo para o tempo presente? O pensamento jurídico crítico, desde a década de 1970, esforça-se por mostrar que o ordenamento jurídico liberal não constitui um dado inevitável, racional e necessário, produto de deduções lógicas, mas o resultado de escolhas contingentes e reversíveis. Na Modernidade Tardia, somos frequentemente convencidos de que qualquer proposta de reformulação do desenho institucional nos levará, fatalmente, ao totalitarismo, e que o sistema liberal e a democracia de massas representam o melhor (ou o menos pior) dos mundos possíveis. A tradição utópica, que, no alvorecer da Modernidade, salientava a plasticidade das ordens sociais humanas, poderia insuflar nova vida a essa discussão.
Ao longo do doutorado, desenvolvi diversos estudos que, vinculados à pesquisa da tese, não podiam ingressar, porém, no texto final. Ainda em 2015 comecei a publicá-los, mas há diversos materiais em processo de avaliação. Nesses ensaios, exploro aspectos específicos vinculados ao humanismo renascentista e ao utopismo moderno. Dois exemplos, já editados, dessas reflexões se encontram nos artigos “Dos delitos e das penas nas utopias do século XVI” (publicado em Direito, arte e literatura, organizado por André Karam Trindade, Marcelo Campos Galuppo e Astreia Soares) e “O jovem Hegel leitor de Maquiavel” (escrito em coautoria com Ana Guerra, e publicado, no início de 2016, pela Revista Práxis). Um dos marcos teóricos de parti, na discussão sobre a dialética entre “inovação institucional” e “fetichismo institucional”, foi o filósofo grego (radicado na França) Cornelius Castoriadis. Uma síntese de minhas considerações a partir de Castoriadis pode ser encontrada no artigo, que publiquei em 2016 na Revista Estudos Filosóficos, ‘Universalismo e relativismo cultural em Castoriadis’.

7. Pós-doutorado (Diplomacia e guerra nas utopias do Antigo Regime)

            Com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, iniciei, em 2017, estágio pós-doutoral junto ao Programa de Pós-Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina. Sob supervisão do professor Arno Dal Ri Júnior, desenvolvi pesquisa intitulada ‘Diplomacia e guerra nas utopias do Antigo Regime: humanismo, Direito das Gentes e inovação institucional’. Com base em indagações que se impuseram a mim ainda durante a feitura da tese, concebi o projeto de pós-doutorado como um esforço para articular Direito Internacional e utopia, tomando como ponto de partida um estudo acerca do tratamento dado aos temas da ‘diplomacia’ e da ‘guerra’ na literatura utópica da Modernidade Clássica (do início do século XVI ao fim do século XVIII). Como a cidade filosófica declara guerra? E como celebra paz? Que razões podem justificar, em um país utópico, a intervenção sobre outros territórios? Que práticas são consideradas legítimas, e que práticas não o são, na batalha? Essas questões – que lançam luz sobre a passagem, no Antigo Regime, do ius gentium ao ius inter gentes, e nos oferecem um novo olhar sobre o trabalho dos clássicos fundadores do Direito Internacional (Grotius, Vattel etc.) – guiaram minha investigação. Como “Romance do Estado ideal”, o texto utópico (gênero que se prolifera nos séculos XVII e XVIII) é material rico para que estabeleçamos um painel amplo das concepções teóricas desenvolvidas, durante a Modernidade Clássica, no que toca à relação entre países.
            No âmbito do pós-doutorado, apresentei, no V Congresso Internacional da Revista Morus, no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, conferência intitulada ‘Da insularidade da utopia à insularidade do Estado: o monopólio da violência no Antigo Regime e na Revolução Francesa’ (a ser publicada na Revista Morus). No Centro de Ciências Jurídicas da UFSC, ministrei a palestra ‘O pesquisador em Direito: operário ou artista?’ e o minicurso ‘Metodologia de pesquisa na Filosofia do Direito’, além de participar de  debate com o professor finlandês Heikki Pihlajamäkki (da Universidade de Helsinki), intitulado ‘Comparative Legal History in Perspective: Methodological Aspects, Legal Education and Codification’. Na UFMG, foi convidado a fazer uma palestra com o título ‘Utopia e tolerância nas guerras religiosas dos séculos XVI e XVII’; ademais, chamado entre os conferencistas do II Simpósio Internacional de Filosofia da Dignidade Humana, apresentei paper (a ser publicado em livro organizado pela professora Karine Salgado) com o título ‘O nazismo é um humanismo? Rosenberg e os direitos do homem’. Acompanhando uma equipe de professores da UFSC, participei de eventos acadêmicos na Itália, na Bélgica e na Finlândia. Na Universidade de Helsinki, apresentei a comunicação ‘Colonial law in utopian literature: representations of Imperialism in Renaissance Fiction’. Ainda como desdobramento de meus estudos pós-doutorais, publiquei, em 2017, o artigo ‘Entre ideologia e utopia: a dialética da imaginação em Mannheim’ (na Revice – Revista de Ciências do Estado). Tive ainda, aceitos para publicação, os artigos ‘O neoliberalismo e a crise dos Critical Legal Studies’ (pela Revista Direito & Práxis, que já disponibilizou o texto, em ahead of print, em seu endereço eletrônico) e ‘A Faculdade de Direito como oficina de utopias: um relato de experiência’ (que será lançado, ainda no primeiro semestre de 2018, pela Revista da Faculdade de Direito da UFMG). Juntamente com o professor Arno Dal Ri Júnior, produzi dois textos – ‘Colonial law in utopian literature’ e ‘A questão da (in)tolerância nas utopias do século XVII’ – a serem veiculados, ainda em 2018, em periódicos internacionais.




8. Movimento estudantil e atividades de representação acadêmica

Concluída a meditação a respeito dos projetos de pesquisa que desenvolvi na graduação e na pós-graduação, devo, rapidamente, descrever minha atuação na representação acadêmica, no correr de minha trajetória.
Em 2009, durante a graduação em Direito, tornei-me diretor de Ensino e Pesquisa do Centro Acadêmico Afonso Pena. Além de auxiliar na organização de alguns eventos – como o Ciclo de Iniciação Jurídica do CAAP e da UFMG e o Seminário 25 anos sem Michel Foucault –, assumi, em virtude de minha participação na militância estudantil, o encargo de representante discente junto ao Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo de Direito da UFMG (DIT).
No mesmo ano, tornei-me membro efetivo do Conselho de Diretores da UFMG, discutindo, notadamente, a possibilidade ou não de construção (a partir de repasse do Governo Federal) de uma pró-reitoria de assistência estudantil.
Imediatamente após iniciar o mestrado, fui convidado pelo Diretório Central dos Estudantes para atuar como membro efetivo do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CEPE da UFMG. Alocado junto à Câmara de Pós-Graduação, participei, durante o ano de 2012, de discussões centrais no que toca à condução dos programas de pós-graduação na Universidade.
Em virtude de meu desempenho no CEPE, a Associação de Pós-Graduandos da UFMG (APG-UFMG) convidou-me a participar de seu – malfadado – processo de refundação. Assumindo o encargo de secretário da instituição, representei os pós-graduandos da Universidade em diversas reuniões e eventos, como o I Encontro Mineiro de Pós-graduandos (ocorrido na Universidade Federal de Ouro Preto no ano de 2013), momento importante para a consolidação de uma mobilização dos estudantes mineiros de pós-graduação em torno de causas comuns. Na APG-UFMG, pugnamos, por exemplo, pela construção de novos mecanismos de combate ao assédio moral sofrido por mestrandos e doutorandos no âmbito da Universidade.
Em 2013, atuei, juntamente com os professores Florivaldo Dutra de Araújo, Mônica Sette Lopes e José Luiz Borges Horta, na Comissão de Reforma do Regulamento do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG. Fui, ainda, membro de comissão, presidida pelo professor Giordano Bruno Soares Roberto, responsável por preparar dados acerca do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG utilizados no preenchimento do aplicativo Coleta Capes (triênio de 2010/2013). Ambas as experiências foram fundamentais para que eu me familiarizasse com o cotidiano administrativo dos programas de pós-graduação, bem como com os critérios estipulados pela CAPES para avaliar cursos de mestrado e doutorado.
Em 2015, fui chamado a participar como membro efetivo da Comissão de Avaliação de Desempenho Didático do Corpo Docente da UFMG. Presidido pela professora Marisa Ribeiro Teixeira Duarte, o grupo tinha a tarefa de elaborar proposta de resolução destinada a estabelecer parâmetros para a participação discente na aprovação da progressão funcional de docentes. Durante quase um ano, em meio a incontáveis pesquisas e reuniões, debatemos os critérios da progressão horizontal, vivência que muito contribuiu para que eu compreendesse, de forma mais aprofundada, os meandros da carreira de professor universitário nas instituições federais de ensino.
Em todas essas funções, advoguei pela consolidação de um movimento estudantil participativo e independente, em contínua interlocução com o alunato. Em diversos momentos, temendo a apropriação de centros acadêmicos por interesses alheios à Universidade, vim a público em defesa da autonomia do corpo discente. Destaco, nesse sentido, dois artigos de opinião que, em momentos distintos, publiquei no Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais, com a finalidade de me fazer ouvir na discussão relativa aos rumos do movimento estudantil: “Nascimento da tragédia: a Nova República e o movimento estudantil” (2009) e “O Revolucionário veste Prada: Radical chic no movimento estudantil” (2012). Em ambos os panfletos procuro denunciar o aparelhamento da instituição por grupos a ela externos, em prejuízo do avanço da Universidade.

9. Magistério

Por fim, cabe tecer breves considerações sobre minhas atividades docentes.
Ao terminar, em 2011, minha graduação em Direito, fui convidado pelo advogado Itamar Buratti a participar, como professor e capacitador em Direitos Humanos, de um curso de formação para gestores municipais elaborado no âmbito do Convênio 087/2011 do Programa Travessia, firmado pelo Estado de Minas Gerais e o Instituto DH. Durante um curto espaço de tempo, lecionei para servidores das prefeituras de Teófilo Otoni e Salinas, abordando temas relativos à proteção jurídico-política de grupos vulneráveis. Foi, pelos mais diversos motivos, meu “batismo de sangue”. A experiência – e a interlocução, duradoura, com o Instituto DH, que dela decorreu – foi fundamental, antes de mais, para que eu confirmasse uma suspeita que já me acompanhava desde a infância: a de que, na contemporaneidade, a afirmação dos Direitos Humanos (em uma pletora de documentos normativos, de âmbito nacional e internacional) contrasta com a precariedade de instrumentos que temos disponíveis, hoje, para consolidar e efetivar as mais básicas garantias da pessoa humana. Advindos de regiões com índice de desenvolvimento humano substancialmente baixo, meus alunos, no curso de formação, descortinaram para mim o abismo entre os estatutos jurídicos que eu lhes apresentava e a realidade que, diariamente, tinham que enfrentar.
Fui, no mestrado, bolsista FAPEMIG, e, no doutorado, bolsista CAPES Reuni. Encontrei-me, assim, livre para me dedicar, exclusivamente, à Universidade. Dessa maneira, ao longo da pós-graduação, atuei, em quase todos os semestres, como estagiário de docência, com os mais diversos professores da Vetusta. No curso de Direito, estagiei nas disciplinas de História do Direito, Psicologia Jurídica e Filosofia do Direito (nas três, sob supervisão da professora Karine Salgado). Ademais, tanto no mestrado quanto no doutorado, atuei em disciplinas do curso de Ciências do Estado. Por três semestres, estagiei em História do Estado, coordenando os seminários de discussão. Também fui estagiário nas disciplinas de Empresa estatal, Parcerias Público-Privadas e Organizações transnacionais. Junto ao curso de Relações Econômicas Internacionais (na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG), atuei na disciplina de Introdução ao Direito. Tanto o curso de Ciências do Estado quanto o de Relações Econômicas Internacionais originaram-se do projeto de reestruturação e expansão das universidades federais proposto pelo governo. Dessa forma, esposam estratégias de ensino-aprendizagem alternativas, buscando maior participação do aluno. A possibilidade de lecionar nos dois cursos revelou-se inspiradora, permitindo-me experimentar metodologias diferentes. Em 2014, propus ao professor José Luiz Horta a abertura de disciplina optativa relacionada à temática de minha dissertação (já defendida, naquele momento). Ofertada junto ao curso de Ciências do Estado, “Raízes do Estado moderno: o debate do século XIX” foi excelente oportunidade para que eu pudesse revisitar autores que propuseram genealogias (com frequência conflitantes) do pensamento político hodierno (Tocqueville, Burckhardt, Nietzsche etc.). Devo destacar, ainda, minha participação, como tutor, no projeto “Horizontes de Direito e Legislação”, coordenado por Horta e pela professora Karine Salgado. Iniciativa pioneira, com a finalidade de transformar a disciplina de Direito e Legislação (ministrada a alunos de Engenharia) em um curso online, o projeto iniciou-me no âmbito da educação à distância. Embora a proposta tenha sido suspensa – e o curso tenha voltado a ser presencial –, teve como fruto a redação de um manual, hoje no prelo, do qual sou coorganizador, junto com os autores do projeto.
Selecionado em processo seletivo para professor substituto do DIT, ministrei, no primeiro semestre de 2015, as disciplinas de Introdução ao Direito (uma vez mais, no curso de Relações Econômicas Internacionais), Instituições de Direito do Trabalho (no curso de Administração) e Direito e Legislação (para três turmas de Engenharia). Assumindo integralmente (quer dizer, sem a supervisão de outro professor) a condução das matérias, pude também incorrer em mais ousadias, adotando novos instrumentos de educação participativa, como a discussão de casos e de problemas.
Findo o meu contrato, fui convidado, pelo professor Arnaldo Afonso Barbosa (então chefe do DIT), a regressar às salas de aula, como voluntário, para ministrar a disciplina de Instituições de Direito Romano. O desafio de lecionar uma matéria que desperta, via de regra, pouco interesse nos alunos forçou-me, uma vez mais, a experimentar estratégias de educação participativa. No primeiro semestre de 2016, agora a pedido do professor Ricardo Salgado (atual chefe do DIT), atuei, uma vez mais, como voluntário, nas disciplinas de Introdução ao Direito (pela terceira vez retornava ao curso de Relações Econômicas Internacionais, novamente de forma inspiradora) e de Teoria Geral do Direito. Esforcei-me, nessas funções, para superar o que muitos alunos sentem como um distanciamento considerável entre as disciplinas zetéticas (jusfilosóficas, críticas) e as disciplinas dogmáticas. Para despertar a atenção das classes, busquei, a todo momento, mostrar como discussões nas sendas da Filosofia do Direito incidem sobre a práxis forense e o cotidiano dos “operadores do Direito”.
Destaco que, nesse período de magistério, participei de várias bancas de trabalho de conclusão de curso, e co-coordenei, ao lado da professora Karine Salgado, um grupo de estudos – o Grupo de Estudos em Filosofia do Direito e do Estado na Primeira Modernidade (GEFDEM). Durante o pós-doutorado, fui convidado a participar de bancas de qualificação (em sede de mestrado), bancas de defesa de dissertação e de defesa de tese.

10. Horizontes futuros

Minha tese foi aceita para a publicação pela Editora Loyola, com lançamento previsto para o ano de 2018. Minha dissertação, igualmente, foi aceita para publicação, pela Editora Alameda, e também será lançada no corrente ano. Ademais, dentre as pesquisas que desenvolvi ao longo da pós-graduação, ainda há diversos artigos a serem publicados (muitos já se encontram sob avaliação, em periódicos conceituados). Encontra-se no prelo, a ser publicado pela Editora UFMG, livro, organizado pela professora Karine Salgado e pelo professor Arno Dal Ri Jr., com capítulo de minha lavra, em coautoria com a professora Karine Salgado, bem como texto, do professor Gonçal Mayos Solsona, por nós traduzido. Atualmente, concluo, ainda, uma série de trabalhos sobre o potencial crítico das utopias da Modernidade Clássica em dimensões específicas do pensamento jurídico (Direito Constitucional, Direito Internacional Público etc.). Também estou pleiteando financiamento para projeto, intitulado ‘Filosofia do Estado e utopias históricas no Brasil: comunidades alternativas como laboratórios de experimentalismo institucional’, que pretende mapear práticas de democracia participativa e mediação de conflitos em comunidades intencionais (como ecovilas e comunidades sustentáveis) espalhadas pelo país.
Entendo que não é possível romper com o juspositivismo sem desafiar, igualmente, as matrizes pedagógicas encampadas pelo ensino jurídico tradicional. A lecture serve a uma concepção da Ciência do Direito enquanto exegese legal, mas oferece poucos espaços de desenvolvimento para um pensamento jurídico crítico. Em minha atividade docente, procuro resgatar o protagonismo do estudante, para que ele se veja enquanto sujeito responsivo e responsável na construção do seu próprio conhecimento. Desmantelar um paradigma transmissivo e conducionista da educação é condição sine qua non para que convertamos as faculdades de Direito em espaços, não de replicação da norma posta, mas de propositura de novas modelagens institucionais, de criatividade e utopismo.
Minhas incursões nas veredas do ensino, da pesquisa e da extensão podem ser vistas, no frigir dos ovos, como tentativas de desnaturalizar o Estado e o Direito modernos, lançar, sobre eles, um olhar de estranheza (de espanto, thaumazein). O juspositivismo flerta, sempre, com o fetichismo institucional, a representação do ordenamento jurídico como um dado imutável. Enquanto professor, entendo que meu maior compromisso é estimular os alunos e a comunidade a atentarem para as contrapossibilidades utópicas do sistema jurídico, sua plasticidade. Historicizar o pensamento político-jurídico moderno (interpretá-lo, não como uma condensação de verdades universais, mas como o ponto de chegada de um projeto civilizacional determinado) permite que nos sensibilizemos para alternativas que melhor espelhem nossas esperanças e sonhos. É preciso – na esteira dos Critical Legal Studies, mas para além deles – resgatar a compreensão do jurídico enquanto obra aberta, que se oferece ao trabalho colaborativo da comunidade. Em uma sociedade democrática, compete ao jurista, antes de mais, assessorar os cidadãos na edificação de arranjos institucionais que garantam, sempre, a realização da plenitude de nossas potencialidades.






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